Quando os romanos chegaram ao território que hoje conhecemos como Inglaterra, em 43 d.C., ficaram surpresos ao encontrar mulheres ocupando posições de poder. Registros da época descrevem, escandalizados, as liberdades sexuais das mulheres celtas, que tinham vários maridos e podiam alcançar altos níveis de poder, comandando exércitos e comunidades.
Alguns pesquisadores acreditam que os romanos exageraram na descrição dessas liberdades femininas para pintar uma imagem de uma sociedade indomável. Entretanto, um novo estudo de arqueologia e genética confirma que as mulheres eram influentes em muitas esferas da vida na Idade do Ferro.
As descobertas foram feitas a partir de escavações de um cemitério de 2 mil anos bem conservado na região de Dorset, no sul da Inglaterra. Pesquisas anteriores no local já haviam notado que os túmulos de mulheres eram mais ricamente adornados, além de que as mulheres eram mais frequentemente enterradas com itens luxuosos como espelhos e joias.
Os arqueólogos desenterraram os restos mortais de 57 pessoas e fizeram o sequenciamento genético dos indivíduos. Depois, os dados foram usados para construir uma árvore genealógica que abrange cerca de 200 anos e começa com uma mulher.
A análise revelou que dezenas de indivíduos eram descendentes desta mesma mulher e de suas descendentes do sexo feminino. Apenas dez membros da família não estavam diretamente relacionados a essa mulher, dos quais oito eram homens.
“Isso nos diz que os maridos se mudaram para se juntar às comunidades de suas esposas após o casamento, com terras potencialmente transmitidas pela linhagem feminina. Essa é a primeira vez que esse tipo de sistema é documentado na pré-história europeia e mostra o empoderamento social e político das mulheres”, disse a autora principal do estudo, Lara Cassidy, em comunicado. “É algo relativamente raro nas sociedades modernas, mas pode ser que nem sempre tenha sido assim.”
Na maioria das sociedades, o mais comum é a patrilocalidade, em que as mulheres vão morar com as famílias de seus maridos após o casamento.
A descoberta foi publicada no último dia 15 na revista Nature. Segundo os autores, a árvore genealógica demonstra que as pessoas tinham “um profundo conhecimento de seus próprios ancestrais”, já que vários casamentos entre ramos distantes dessa família ocorreram, mas a consanguinidade próxima foi evitada.
Esse tipo de estrutura em que os maridos se mudam para viver com as famílias de suas esposas é chamado por antropólogos de “matrilocal”, mas não deve ser confundida com a estrutura matriarcal (em que as mulheres, na figura de mães, exercem o papel de chefes da família e autoridades em suas comunidades). Um grupo pode ser matrilocal e, ainda assim, patriarcal.
A matrilocalidade oferece “melhores resultados, empoderamento para as mulheres, em relação a uma configuração patrilocal”, disse Cassidy, em entrevista ao New York Times.
“Mas ainda se observa, nas sociedades matrilocais, que os homens tendem a dominar os cargos formais de autoridade. Eles tendem a ser o chefe da aldeia com mais frequência, mas talvez não consigam ser eleitos sem a ajuda de suas filhas, irmãs e esposas, que têm um poder brando e muita influência. Elas não estão confinadas apenas à esfera doméstica”, acrescentou Cassidy, na mesma entrevista.
Depois de encontrar os primeiros resultados, a equipe analisou dados de pesquisas genéticas anteriores da Grã-Bretanha da Idade do Ferro. Surpreendentemente, encontraram padrões de matrilocalidade em outros locais, embora o número de amostras de outros cemitérios fosse menor.
“Em toda a Grã-Bretanha, vimos cemitérios em que a maioria dos indivíduos era descendente materna de um pequeno conjunto de ancestrais do sexo feminino” disse Dan Bradley, professor de Genética Populacional no Departamento de Genética da Trinity College e coautor do estudo, em comunicado.
“Em Yorkshire, por exemplo, uma linhagem feminina dominante havia sido estabelecida antes de 400 a.C. Para nossa surpresa, esse era um fenômeno generalizado com raízes profundas na ilha”, acrescentou Bradley.
Fonte: abril