Texto Rafael Battaglia | Design Caroline Aranha e Luana Pillmann | Edição Alexandre Versignassi
Há cinco mil anos, Canaã (área onde hoje ficam Israel e os territórios palestinos) estava bem no meio dos quatro primeiros impérios da história. Ao sul, os egípcios. A leste, os babilônios. No norte (atual Turquia), ficavam os hititas. E a oeste, do outro lado do Mediterrâneio, os micênicos (ancestrais da civilização grega).
Quem vivia naquelas terras eram os cananeus. Eles não eram um império, mas sim um conjunto de povos, cada um com suas cidades-estado – que respondiam aos egípcios. Muitos cananeus eram enviados como escravos para trabalhar em obras faraônicas.
Há três mil anos, porém, uma longa seca alterou o status quo da humanidade. Não se sabe ao certo a sua origem (ao que tudo indica, um resfriamento do Mediterrâneo, que minguou o regime de chuvas). Seja como for, foi suficiente para que as potências ruíssem. Em Canaã, muitas cidades foram abandonadas.
O Egito, enfraquecido, passou a ser alvo de saques e invasões. O exército deslocou tropas que estavam em Canaã para proteger as maiores cidades do império. E isso abriu espaço para que outros povos, fugindo da seca, tentassem a sorte por ali.
Por volta de 1100 a.C., um deles (provavelmente, vindo de terras micênicas) se instalou no litoral de Canaã. Tomou, inclusive, gaza (uma cidade cananeia). Nascia a Filístia, terra dos filisteus. Os egípcios a chamavam de Peleset – o jeito deles de falar “terra dos filisteus”. Os gregos, mais tarde, passariam a usar o termo “Palestina”. Eis a origem do nome.
Enquanto os filisteus colonizavam a faixa litorânea, outro povo se desenvolvia no interior montanhoso da região: os israelitas. Eram tribos nômades, que dormiam em tendas e viviam do pastoreio de gado. Os vizinhos os chamavam de “shashu” ou “apiru” (um nome que pode ter originado a palavra “hebreu”).
Os apirus, assim como outros cananeus, cultuavam várias divindades. A maior de todas era El. É daí que vem “Israel”, que no antigo hebraico significava algo como “sob o comando de El” (mais tarde, no Antigo Testamento da Bíblia, Deus seria chamado ora de “El”, ora de “Javé”, a divindade 100% israelita).
Os israelitas nômades vendiam carne e leite para as cidades cananeias em troca de grãos. Com a seca (e sem clientes), o jeito foi se assentar. Deu certo: plantaram hortas, construíram vilas…
Essas tribos, mais tarde, se unificaram num único reino: o de Israel. Por volta de 900 a.C., houve uma cisão: a parte sul, onde ficava Jerusalém, virou o reino de Judá (de onde vem o termo “judaísmo”). Tanto Judá quanto Israel passariam os séculos seguintes disputando territórios contra os filisteus.
Em 722 a.C., o Império Assírio conquistou o reino de Israel. Em 586 a.C., os babilônios tomaram Judá e a Filístia. O ataque dizimou a cultura dos filisteus, mas não a judaica – 50 anos depois, os persas derrotaram os babilônios e permitiram a volta dos judeus (que haviam sido exilados). Cidades dizimadas na guerra, como Jerusalém, foram reconstruídas.
Os romanos chegaram no século 1 a.C. Nos séculos seguintes, os judeus organizaram três grandes revoltas para tentar se livrar do controle do império. Não deu certo: em 272, Roma tomou de vez a região: expulsou os judeus e mudou o nome de Judeia e arredores para “Síria-Palestina” (trazendo de volta a denominação grega).
Os judeus só voltariam para lá no século 5 com o aval dos bizantinos, que assumiram a Palestina quando Roma caiu. No século seguinte, os árabes conquistaram a região – e o islamismo se tornou a religião local.
Com breves exceções, a Palestina permaneceu sob controle árabe até o começo do século 20, como parte do Império Otomano. Àquela altura, viviam na região 532 mil pessoas: 432 mil muçulmanos, 57 mil cristãos e 43 mil judeus.
A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) colocou os impérios britânico e otomano frente a frente. Em 1916, os ingleses trocaram cartas com oficiais árabes, demonstrando apoio no reconhecimento de estados independentes caso os ajudassem contra os otomanos.
Em 1917, contudo, a Grã-Bretanha sinalizou que estava do lado dos sionistas, judeus que desde o final do século 19 buscavam um território para que seu povo estabelecesse uma nação própria, a salvo das perseguições que sofriam mundo afora. O restante da história está nos próximos mapas.
Um século de conflito
Guerras. Bloqueios. Propostas de partilha. Veja como as fronteiras de Israel e Palestina mudaram desde a Primeira Guerra Mundial.
Império Otomano
Os muçulmanos tomaram Jerusalém, expulsando os bizantinos (herdeiros do Império Romano), no ano 637 – só cinco anos depois da morte de Maomé, o fundador da religião. E a cidade tornou-se sagrada para o islã. O controle árabe seguiu com a criação do Império Otomano, islâmico, no século 14 – seus domínios iam da Turquia ao atual Iraque. E permaneceram assim até a Primeira Guerra Mundial. Os britânicos, vencedores do conflito, assumiram a região após 1918.
Mandato Britânico
Os ingleses dividiram o seu naco entre Transjordânia (protetorado árabe que se tornaria independente em 1946 – a atual Jordânia) e Palestina – para onde o fluxo migratório judaico se intensificou: de 1922 a 1931, o número de judeus por lá saltou de 84 mil para 175 mil. O boom populacional e a compra de terras por imigrantes judeus causou atritos com os locais. A insatisfação culminou na Revolta Árabe (1936-39), suprimida pelo exército britânico.
Proposta da ONU
A Grã-Bretanha restringiu as imigrações para tentar amenizar as tensões com os palestinos. Os judeus não gostaram, e grupos armados passaram a atacar os britânicos – que entregaram o problema à ONU, criada em 1945. Ela propôs 55% do território para os judeus, que tinham sofrido com o Holocausto na Europa, e 45% para os palestinos (que somavam 1,1 milhão de habitantes; o dobro da população judaica). Jerusalém ficaria sob controle de um conselho da ONU.
Linhas do Armistício
Os judeus aprovaram o plano e, em 1948, declararam a independência de Israel. Grupos armados expulsaram 750 mil palestinos de mais de 500 vilarejos, no que ficou conhecido como Nakba (“catástrofe”, em árabe). Egito, Síria, Líbano e Jordânia, que receberam milhares de refugiados, entraram em guerra contra Israel. Os israelenses venceram – e ficaram com 78% do território originalmente proposto pela ONU (incluindo a porção ocidental de Jerusalém).
Guerra dos Seis Dias
Em um ataque coordenado, Israel quadruplicou de tamanho ao conquistar porções de Egito, Jordânia e Síria (além do controle total de Jerusalém). Muitos judeus, então, criaram assentamentos em terras ocupadas, sobretudo na Cisjordânia – eles reivindicavam o direito histórico sobre territórios sagrados para o judaísmo (os reinos de Israel e Judá, que abrangiam a região). O governo apoiou e passou a subsidiar obras. Na Faixa de Gaza, Israel aumentou a produção agrícola – mas para abastecer cidades fora da faixa. Lá dentro, ajudou a financiar a ONG Mujama al-Islamiya, que fundou escolas, hospitais e mesquitas. Os palestinos, contudo, não eram considerados cidadãos israelenses.
Acordos de Paz de Camp David
Em 1973, Egito e Síria contra-atacaram Israel – que deteve a investida com apoio dos EUA. Entre 1978 e 1979, os americanos mediaram um tratado de paz entre israelenses e egípcios – que conseguiram o Sinai de volta em troca do reconhecimento do Estado de Israel (foram o primeiro país árabe a fazê-lo). Israel saiu do Sinai, mas não de Gaza e da Cisjordânia. Nos anos 1980, a tensão entre palestinos e o exército culminou na Primeira Intifada (“revolta”, em árabe”), uma série de protestos contra a ocupação. Em 1987, membros da Mujama criaram o Hamas, que passou a comandar ataques contra israelenses. Em 1991, Israel endureceu o controle do movimento de palestinos dentro e fora de Gaza e Cisjordânia.
Acordos de Oslo
Em 1993, um acordo de paz criou a Autoridade Palestina, que reconheceu o Estado de Israel e passou a administrar Gaza e áreas da Cisjordânia. Hamas e outros grupos foram contra – e continuaram os ataques. O acordo previa a independência da Palestina em cinco anos – o que não aconteceu. Na Segunda Intifada (2000-2005), Israel reforçou a barreira ao redor da região. Em 2005, retirou tropas e assentamentos de Gaza. Em 2007, o Hamas assumiu o controle da faixa. O governo israelense iniciou um bloqueio que limitava a entrada de energia e mantimentos ali. Enquanto isso, apoiou mais assentamentos judaicos na Cisjordânia.
Israel tem 20 mil km2 (dois mil a menos que Sergipe), onde vivem 7 milhões de pessoas – 10% delas, nos 279 assentamentos espalhados na Cisjordânia (considerados ilegais pela ONU). Na Cisjordânia (que tem 6 mil km2), vivem também 3 milhões de palestinos. Outros 2,5 milhões moram na Faixa de Gaza – que tem 365 km2 (uma Zona Leste de São Paulo).
Em outubro de 2023, com a reação de Israel aos ataques terroristas do Hamas, começou um novo capítulo nessa história. E o futuro de Gaza agora é uma incógnita.
Fonte: abril