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Herberts Cukurs: o nazista que viveu no Brasil por 20 anos e trabalhava alugando pedalinhos no Rio de Janeiro

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Em março de 1946, o aviador Herberts Cukurs, nascido na Letônia, desembarcou no Rio de Janeiro acompanhado de sua esposa, sua sogra e três filhos. A família foi morar num sobrado em São Cristóvão, bairro da zona norte carioca. Ele parecia ser só mais um imigrante europeu, mas seu passado escondia acusações de colaboração com os nazistas na morte de milhares de judeus durante o Holocausto.

Vários nazistas fugiram para a América Latina depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Adolf Eichmann, um dos responsáveis pela logística da máquina de extermínio nazista, foi escondido para a Argentina. Josef Mengele, que realizava experimentos desumanos e mortíferos nos prisioneiros dos campos de concentração, conseguiu escapar da Justiça e morreu na Baixada Santista, em São Paulo.

No caso de Cukurs, ele não estava fugindo: o aviador entrou legalmente no Brasil; na época, ainda não havia acusações criminais contra ele. Na verdade, Cukurs jamais passou por um julgamento em tribunal pelos crimes dos quais foi acusado.

Os quase 20 anos de Cukurs no Brasil e sua participação no Holocausto são narrados na audiossérie “Do Céu ao Inferno: o caso Herberts Cukurs“, um original da plataforma Audible. Quem conversou com a Super para explicar essaa história foi a Patricia Hargreaves, apresentadora da série documental. Ela conheceu a história de Cukurs quando dirigia a revista Aventuras na História, que organizou uma capa sobre nazistas que se refugiaram na América do Sul.

“O pontapé da apuração teve início com a pasta do Cukurs no Deops [Departamento de Ordem Política e Social], que está no Arquivo Público do estado de São Paulo”, ela explica. São quase cem páginas de documentos sobre ele, com depoimentos de sobreviventes do Holocausto que acusavam Cukurs de ter participado da morte de várias pessoas.

A pesquisa para a série durou dois anos e envolveu analisar livros, documentos e emissões de rádio e televisão da época, além de depoimentos de sobreviventes do Holocausto armazenados por instituições judaicas e entrevistas com parentes dos envolvidos, que já estão mortos.

Quem foi Cukurs?

Ele nasceu em 17 de maio de 1900 na costa da Letônia, no norte da Europa, e virou piloto de avião depois de participar da guerra de independência do seu país, entre 1918 e 1920. Cukurs projetava e construía as próprias aeronaves, que ele pilotava em shows de manobras que atraíam multidões.

Em 1933, ele completou uma viagem de nove meses de ida e volta da Letônia até a Gâmbia, na África Ocidental. Por causa do feito, Cukurs virou herói nacional, galã letão e empreendeu outras viagens até o Japão, a Índia, a Turquia e o Paquistão. Até hoje, algumas pessoas na Letônia veem Cukurs como herói, ignorando as acusações sobre o que ele fez depois da carreira de aviador.

Quando os nazistas invadiram a União Soviética, em 1941, Cukurs tinha acabado de voltar de Moscou para a Letônia. Ele estava na Rússia a pedido do governo soviético, projetando caças para o exército. Assim que os alemães chegaram à Letônia, o piloto se aliou a eles contra a dominação russa, integrando a milícia violenta (e voluntária) Arajs Kommando, subordinada à SS de Hitler.

Arajs Kommando trabalhou para que o Holocausto na Letônia fosse um dos mais mortais em toda a Europa: nove em cada dez judeus letões foram assassinados. Cukurs foi acusado de participar da morte de cerca de 30 mil judeus, com requintes de crueldade. Milhares morreram em pelotões de fuzilamento, e o herói nacional da Letônia é acusado de ter mandado queimar uma sinagoga com 300 judeus dentro e ordenado a morte por afogamento de 1.200 judeus em um lago.

Cukurs no Brasil

Ao fim da guerra, ele conseguiu driblar os Aliados e esconder sua atuação na ocupação nazista da Letônia. Ele pensou em se mudar para o Brasil porque era um grande admirador do pai da aviação, Santos Dumont (Cukurs, porém, parece ter ignorado o lado pacifista do inventor, que possivelmente se suicidou por causa do uso de sua invenção no campo de batalha).

No Rio de Janeiro, Cukurs virou empresário, e começou o aluguel de pedalinhos na Lagoa Rodrigo de Freitas, um programa tradicional dos cariocas até hoje. Ele também oferecia passeios de lancha, caiaque, barco à vela e hidroavião. Os negócios iam bem até que, em 1950, a Federação das Sociedades Israelitas do Rio de Janeiro acusou Cukurs de crimes com base nos depoimentos de cinco sobreviventes do Holocausto.

Cukurs afirmou que colaborou com a ocupação nazista, mas negou as acusações de crimes. No Rio, ele ficou conhecido como o “nazista dos pedalinhos”.

Anos se passaram, e Cukurs voltou a ter medo ao ficar sabendo dos julgamentos de Adolf Eichmann, em 1960, depois de ser rastreado por agentes do Mossad, o serviço secreto israelense. No Brasil, apesar das acusações de crimes de guerra, ele conseguiu garantir o porte de arma e proteção policial.

Em 1964, Cukurs virou amigo de um empresário austríaco chamado Anton Kuenzle – que, na verdade, era Yaakov Meidad, o agente do Mossad que capturou Eichmann na Argentina. Kuenzle – ou melhor, Meidad – convenceu Cukurs a expandir seus negócios de pedalinhos e entretenimento aquático para o Uruguai.

Os dois foram juntos para o país vizinho. Duas semanas depois de chegarem, alguns policiais entraram na casa onde o aviador letão estava hospedado. Eles encontraram um baú de madeira fechado por três cadeados. Dentro dele, o corpo de Herberts Cukurs, já em estado de putrefação, enrolado em um cobertor. Em cima dele, havia uma carta que dizia:

“Considerando a gravidade dos crimes de que Herberts Cukurs é acusado, notadamente sua responsabilidade pessoal no assassinato de 30 mil homens, mulheres e crianças, e considerando a terrível crueldade demonstrada por Herberts Cukurs na execução de seus crimes, condenamos o referido Cukurs à morte. Ele foi executado em 23 de fevereiro de 1965.”

Cukur morreu antes que o processo de extradição, pedido pela Alemanha no começo dos anos 1960, se completasse. Por causa disso, ele nunca passou por um tribunal criminal para responder às suas acusações. Ele foi assassinado por quatro agentes do Mossad, que assinaram a carta como “aqueles que nunca esquecerão”.

“O nome Cukurs sempre esteve envolvido em polêmica, principalmente por conta da liberdade que ele usufruía aqui. Então, quando o crime ocorreu foi retratado em tudo que é veículo”, explica Hargreaves. “Desde 1950, ele era pauta de jornais, rádios e revistas.”

Por que relembrar essa história agora? “Precisamos aprender com os erros do passado. Só assim evitamos a repetição”, afirma Hargreaves. “No Brasil, muitos dos crimes que acontecem nas escolas têm ligação direta com neonazismo.” O passado não é tão passado assim.

Fonte: abril

Sobre o autor

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Fábio Neves

Jornalista DRT 0003133/MT - O universo de cada um, se resume no tamanho do seu saber. Vamos ser a mudança que, queremos ver no Mundo