O poder de compra do brasileiro vai diminuir ainda mais. De acordo com o relatório semanal da corretora Tullet Prebon Brasil, o salário mínimo cairá de 1.213,84 reais para 1.193,37 reais até o final de 2022. Com isso, o atual presidente se torna o primeiro chefe de Estado a entregar um salário mínimo mais desvalorizado no primeiro ou segundo mandato desde a adoção do Plano Real.
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O cálculo foi feito com base nas atuais projeções do Banco Central (BC) para a inflação. O valor pode cair ainda mais se a inflação subir acima do esperado. Na prática, isso significa que o padrão de vida do brasileiro cai: os produtos e serviços ficarão mais caros e a quantidade de itens comprados será menor.
Para Dirlene Silva, consultora de inteligência financeira e CEO na DS Estratégias e Inteligência Financeira, um exemplo mais concreto dessa desvalorização e queda do padrão de vida está na ida ao supermercado.
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“Mês passado você comprou um quilo de feijão que custava R$ 5,00. Hoje, o mesmo feijão custa R$ 7,89. Ou seja, variação de 57,8%, o que significa que com os seus R$ 5,00, você não consegue mais comprar o mesmo feijão. Nesse caso, ocorreu a perda do poder de compra”, explica a consultora.
Desigualdade salarial e tributária
A redução não é sentida por todos da mesma maneira. Classes mais pobres e mulheres são os que mais sofrem com os efeitos da inflação. A economista afirma que os motivos para essa desigualdade estão na forma como os produtos são tributados no Brasil.
“Atualmente temos em nosso país um sistema tributário regressivo em que o pobre paga mais imposto que o rico, no sentido que o valor do imposto pesa mais no bolso do pobre. Ao tributar prioritariamente o consumo e não a renda estamos indiretamente privilegiando quem tem mais dinheiro”, afirma a economista, que também aponta o imposto de renda como um problema. Nele, famílias que possuem renda mensal igual ou acima de um salário mínimo devem declarar o IR.
Sob um recorte de gênero, mulheres sofrem ainda mais. Além da desigualdade salarial, que faz mulheres ganhar 30% a menos que os homens, e do imposto sobre bens de consumo, há ainda o imposto rosa, ou Pink Tax, que torna mais caros artigos femininos. Em muitos casos, o mesmo objeto custa mais porque tem a cor rosa ou lilás, associadas às mulheres, afirma Dirlene.
Em seu artigo, “Imposto Rosa: Por que ser mulher custa tão caro?”, compara os preços de alguns desses itens. A lâmina de depilar custa 25% a mais que a lâmina de barbear; shampoos e condicionadores, 48%; absorventes, 34,48%, sendo “item de primeira necessidade”. Com a queda do padrão de vida e a renda direcionada à alimentação, tais itens são deixados de lado.
Em famílias de mãe solo, a situação é ainda mais difícil, pois a única fonte de renda vem dessas mulheres. Esse cenário construído pela desvalorização do salário mínimo e alta inflação não só coloca mais famílias em situação de insegurança alimentar – causada pela pandemia, conforme aponta o Instituto Vox Populi -, como possibilita a evasão escolar, a pobreza menstrual e a feminização da pobreza.
Consequências da desvalorização podem ser revertidas
Dirlene acredita que não existem soluções em curto prazo. Mas a médio é possível reverter o quadro. Para isso, é preciso adotar medidas de ajuste fiscal e aumento real do salário mínimo, que de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) deveria ser de 6.754,33 reais.
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“Um aumento real do salário mínimo significaria reajustá-lo em um percentual acima da inflação. E, além disto, reavaliar o que diz a Constituição, ‘o salário mínimo deve cobrir todas as necessidades do trabalhador e de sua família’, pois ‘todas as necessidades’ se entendem alimentação, higiene, moradia, transporte, escola etc.”, garante a especialista.