“Cancelamento” é uma expressão que surgiu nas redes sociais em 2017, onde se popularizou por meio do movimento Metoo e de suas hashtags, que denunciavam o assédio sexual em Hollywood e o abuso sofrido por mulheres no mundo todo.
O movimento ganhou força, chegando ao seu auge quando o produtor de filmes Harvey Weinstein foi condenado a 23 anos de prisão por abuso e estupro. Novas denúncias foram surgindo e outros homens públicos foram descobertos e boicotados, ou seja, eles foram cancelados nos seus trabalhos e pagaram, judicialmente e moralmente, por seus atos.
No Brasil, por exemplo, temos o caso do médium João de Deus. Em 2019, o líder espiritual foi acusado e condenado por violação sexual mediante fraude e de estupro de vulnerável, entre outros crimes que teriam sido praticados contra centenas de mulheres na instituição em que ele atendia pessoas em busca de cura.
Dessa forma, a prática do cancelamento se expandiu entre os grupos progressistas como forma de dar voz às minorias, jogando luz em questões sociais como homofobia, machismo, feminismo e racismo.
Na sequência, algumas empresas não escaparam e também foram canceladas, como forma de fazê-las reverem suas campanhas e produtos, assim como reconstruir sua imagem para reconquistar um público mais consciente, ativo e crítico nas redes sociais.
Uma ótima oportunidade de crescimento e aprendizado para toda a sociedade, certo!? Assim, o cancelamento expandiu suas fronteiras, mas infelizmente perdeu seu propósito.
A cultura do cancelamento atualmente
Hoje não se cancela só quem se envolve em polêmicas, figuras públicas ou empresas que agridem o meio ambiente, mas também quem pensa diferente, age diferente e diverge de opinião. Se antes se cancelava o ato, hoje se cancela a pessoa, e da forma mais violenta possível, não admitindo que ela cometa uma falha enquanto ser humano e também não permitindo que ela corrija seu erro.
A cultura do cancelamento se tornou doentia e as figuras públicas e os influenciadores são os que têm sua saúde mental e emocional mais prejudicadas. Eles e suas famílias podem sofrer a ira dos tweets, a ofensa dos comentários e uma chuva de agressões nos reposts.
Logo, as consequências do cancelamento vão muito além de uma demissão, passando por transtornos mentais, como depressão, fobia social, chegando ao ponto de levar algumas pessoas a cometerem suicídio. Como temos visto em notícias como: Suicídios continuam entre celebridades sul-coreanas.
Fenômeno, que inclusive, inspirou a diva pop, Lady Gaga, a abordar o tema suicídio, em seu clipe “911”, trazendo questões como “pedir ajuda”. Veja análise do clip pela terapeuta Camila Custódio.
Júri cibernético
No tribunal da Internet as pessoas ganham força através do efeito manada, onde todos se acham no direito de julgar e fazer justiça contra aquele que errou. Afinal, camufladas por seus perfis, elas não sentem o impacto nem a responsabilidade de descontarem sua fúria sobre uma tela e seus caracteres.
A lógica de punir uma pessoa que cometeu um erro através de outro erro é injustificável e tem levado a sociedade a alimentar um ciclo de raiva e violência que não dá espaço para restauração e reabilitação do indivíduo. Quando se fala de cancelamento, precisamos falar de responsabilidade: sim, todos que erram precisam se responsabilizar pelos seus erros.
Entretanto, precisam também, ter o direito de encarar as consequências e tentar corrigi-las, agregando dessa forma, esse aprendizado para fazer diferente.
Mas, o que vemos é a irresponsabilidade permeando a chuva de comentários e disseminando ódio na Internet. Podendo levar quem errou ao adoecimento ou até à morte. Precisamos parar de perpetuar esse fórum de justiça repleto de perseguição e ameaças, que não dá a possibilidade do ser humano se melhorar e, ao mesmo tempo, mantém ileso na sua inconsequência, quem ameaça.
É necessário!
Precisamos aprender a dialogar, a discordar, a educar e a exercer a empatia e a tolerância. Somos seres humanos e estamos em constante evolução. Erramos e aprendemos através dos nossos erros. Não podemos endeusar as pessoas colocando-as em um lugar de supremacia e perfeição para atender nossas expectativas e desejos irreais, tampouco devemos simplificá-las por suas atitudes entre vilões e mocinhos. Somos muito mais complexos que isso.
A cultura do cancelamento precisa ser cancelada porque só quem poderia se cancelar é quem errou. Entretanto, enquanto essa pessoa está disposta a evoluir e ser melhor, não existirá cancelamento.
Por Camila Custódio do Consultório Emocional. Revisado pelo advogado e psicanalista Eduardo Bicudo e otimizado e ilustrado pela Laila Lopes.
Fonte: fashionbubbles