Na última terça-feira, 5, a agência de classificação de riscos Moody’s anunciou uma revisão da avaliação sobre a dívida pública da China, colocando-a em perspectiva negativa.
A decisão da Moody’s evoca a proverbial metáfora do elefante na sala cheia de fina porcelana, mas ignorado pelos apáticos presentes.
Na verdade, se o colapso dos investimentos diretos estrangeiros realça as dificuldades da China nas suas relações com o mundo, a dívida pública enfatiza as macroscópicas vulnerabilidades internas da segunda maior economia do mundo.
A dívida pública chinesa, aparentemente, é muito maior do que se imaginava.
Um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) indicou a metodologia correta para calcular os passivos totais do setor público chinês alargado.
Esse cálculo inclui o governo central, as autoridades locais e várias entidades estatais, incluindo entes “parafiscais” — por exemplo, fundos utilizados para o setor da construção civil que o Tesouro suporta implicitamente.
Essa reconstrução meticulosa permitiu aos economistas que participaram na missão anual do FMI à China, e redigiram a “Avaliação do Risco Soberano e da Sustentabilidade da Dívida”, contida no Relatório Nacional 23/67 do FMI, de estimar o peso real da dívida do setor público chinês.
Os dados fiscais divulgados pelas autoridades de Pequim se referem, em grande parte, à dívida do governo central e às registadas no orçamento das autoridades locais.
Essa dívida, no cenário base do FMI, era igual a 47% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021, e em 2031 deveria chegar por volta dos 69% do PIB. Portanto, num nível longe de gerar qualquer preocupação.
Entretanto, segundo os cálculos do FMI, a dívida chinesa “aumentada” seria muito maior. Em 2021, teria atingido os 101% em relação ao PIB.
Nos anos seguintes, impulsionados por déficits primários desproporcionais (12,6% do PIB em 2022, e 12% em 2023), e com a previsão de mais vermelhos no orçamento (10,6% em 2024, e 9,7% em 2025), deveria subir para 149,7% em 2027 e depois para 167% em 2031.
Esses dados perturbadores explicam, em parte, por que o governo chinês não dispõe de recursos adequados para financiar programas maciços de estímulo económico, diferentemente do que foi feito várias vezes no passado para superar crises. Os recursos públicos foram sugados para um buraco negro de má gestão económica.
A dívida pública “aumentada” chinesa estaria sobrecarregada por gastos militares e investimentos em infraestruturas com retornos e benefícios duvidosos. Isso porque a China não possui um estado de bem-estar social desenvolvido, como os países europeus, muito menos um sistema de aposentadorias público.
FMI apontou problemas da economia chinesa
Os números calculados pelo FMI mostram um fenómeno que os anos de crescimento econômico desenfreado esconderam.
A economia chinesa (não apenas o setor imobiliário) é afetada por uma ineficiência crónica, que inevitavelmente atinge os cofres do Estado como uma avalanche. O governo central acaba sendo forçado a tapar buracos orçamentais.
Na essência, o planejamento econômico centralizado da China acabou favorecendo volumes (apoiados por subsídios muitas vezes absurdos), e não um ganho das margens, negligenciando, assim, a eficiência — especialmente no setor público.
Esse aspecto é abordado em outro relatório do FMI sobre a China (Relatório do FMI n.º 23/81), no qual é examinado o desempenho do setor industrial e das empresas públicas.
O dado mais marcante é o colapso do produto marginal do capital (a relação entre a variação da produção e a variação do stock de capital), que caiu de 0,3 no período 2002-2003 para cerca de 0,08 em 2020.
É um sintoma claro de um uso distorcido de recursos e de excesso de capacidade produtiva (que está alimentando a deflação) em setores chave da economia.
Em particular, no caso das empresas públicas, cuja eficiência se deteriorou significativamente desde a crise de 2008-2009.
China enfrenta baixa produtividade
Outra brutal confirmação desses número vem da produtividade total dos fatores: segundo o FMI, caiu drasticamente de 3,7% na década de 2000 para 1,9% no período 2010-19.
Essas são estimativas otimistas, uma vez que outras pesquisas indicam que esse indicador estaria já próximo do zero.
Em última análise, os gigantes da construção falidos, Country Garden e Evergrande – que obteve mais uma prorrogação até janeiro para apresentar um plano de reestruturação – são apenas a ponta de um gigantesco iceberg.
Para alguns economistas, a China de hoje, dominada por “inflação baixa, crescimento econômico limitado e taxas de juro baixas”, assemelha-se ao Japão da década de 1990. Mas essa comparação, provavelmente, é errada por excesso de otimismo.
Fonte: revistaoeste