E hoje, eu tenho uma convidada especial! Quem vai escrever sobre harmonização de vinhos com comida vegetariana ou vegana é a sommelière Maria Emília Atallah.
Resolvi convidá-la depois de um grande almoço no Teva Restaurante e Bar de Vegetais , onde tive a oportunidade de provar caprichados pratos veganos do chef daniel Biron, harmonizados com vinhos propostos pela Maria Emília, que montou a carta do Teva e, atualmente, é sommelière do restaurante Evvai.
Quer saber mais sobre minha visita ao restaurante? Clique Teva Restaurante e Bar de Vegetais .
Quer saber dicas de harmonização de vinhos com ingredientes vegetais? Não perca nenhuma linha abaixo! vale cada gole, ops… palavra.
Harmonização de Vinhos com comida vegetariana ou vegana.
Desde pequena, sempre fui fascinada por aromas.
Brincava de fabricar “perfumes”, macerando pétalas de flores do jardim em água e armazenando em potinhos de geleia.
Espantava-me quando meus experimentos não vingavam, mas sempre gostei do desafio, da criação.
A vida me levou para o lado das panelas, talvez pela sedução de viver circundada de cozidos aromáticos, e assim segui por 15 anos.
Sempre fascinada por me desconstruir e reconstruir, há alguns anos fui em busca de mais, algo que na verdade sempre esteve ali, bem na frente do meu nariz: o universo dos vinhos.
E me encontrei totalmente!
Uni Criação à Apreciação, onde o azimute é alcançado na consagração do dito “3° sabor”, a “harmonização perfeita”, celestial.
Para nossa sorte, não basta uma vida para se explorar esses dois universos, portanto as combinações e estudos são infinitos.
O óbvio para mim nunca teve graça, não me contento com o “seguro”, assim fui buscar um nicho pouco explorado, até mesmo negligenciado: as harmonizações veganas.
Comida vegana.
Se você não é adepto desse lifestyle (veja bem: eu mesma admiro, mas não sigo), a 1ª reação é: “Ah, sem carne, sem leite, sem manteiga, sem queijo? Só salada então! Vai de branco leve e espumante. Caso encerrado!”
Acontece que a vida pode (e deve) ser bem mais colorida que isso!
Primeiramente, ao iniciar-se no universo vegano, o indivíduo tem que ser realmente muito criativo.
Mas basta um pouquinho de curiosidade, já adentramos um portal verdadeiramente interessante e rico, todo um jardim inexplorado, plantas que nem julgávamos comestíveis, inclusive uma infinidade de algas marinhas, grãos de toda parte do mundo, diferentes formatos de cogumelos, tubérculos coloridos e ultra nutritivos.
Além de todos os subprodutos derivados destes alimentos, capazes de criar texturas inimagináveis em molhos e guarnições.
Dito isto, podemos respirar e ousar.
Mas nada sem estudos!
Sensações
Primeiramente, para se pensar em harmonizações com vegetais, temos que desconstruir a ideia da origem dos ingredientes.
O foco deve estar na sensibilidade: qual a sensação que tenho ao degustar tal alimento?
Faz salivar?
Adoça nossa boca?
Instiga com certa picância?
E as texturas?
Macio e untuoso?
Crocante e fresco?
São fatores que não se aplicam somente a carnes, peixes e queijos, mas também a todos os personagens do reino vegetal: folhas, grãos, tubérculos e leguminosas.
Uma berinjela grelhada ao molho de missô e melado, pode perfeitamente criar a mesma suculência e umami que um filé grelhado mal passado. Como sensação, digo.
Os molhos agem como co-protagonistas, já que nesse reino vegetal, todos têm o mesmo direito de brilhar.
Sendo assim, nos despimos dos “títulos” e partimos para as “emoções”.
Harmonização de Vinhos com vegetais.
Virginiana que sou, gosto de organizar, até no campo dos sentimentos.
E aqui, valem algumas máximas que testei e aprovei de vinhos com comida vegetariana ou vegana nos últimos tempos:
foto que tirei no almoço, onde a Maria Emília harmonizou Abobrinhas defumadas e pesto Trapanese, farofa de tomate seco e azeitonas com vinho Mouton Noir 2018 (branco francês com uvas Muscadet da região do Loire).
1 – Cru, fresco, salgado, crocante, verde.
Verde não na cor! Antes de mais nada, lembre-se que estamos falando de sensações.
Englobando molhos à base de ervas, folhas frescas, vegetais crocantes, friturinhas, azeitonas e derivados: precisamos igualmente de “vinhos crocantes”.
Ou seja, algo que nos faça salivar, refresque, com aquela acidez sápida, que chega a pinicar a boca.
Vinhos verdes com pequenas “agulhas” (leve efervescência), Sauvignon Blanc bem agudos e minerais (do Loire ou regiões frias da Nova Zelândia), Grüner Veltliner austríacos, espumantes frescos e jovens.
2- Picantes, agridoces, frutados, perfumados.
Aqui normalmente falamos de molhos mais intensos que protagonizam e elevam a personalidade, às vezes, tímida de certos vegetais.
São talvez das harmonizações mais encaixadas.
Ela, sempre ela, a Riesling: namoradinha dos sommeliers.
Seu caráter mineral e aromas resinosos tão típicos, seguidos por fruta madura, flores e frequentemente ótima persistência a tornam um coringa incomparável nesta categoria.
Podemos até estender para aqueles com certo açúcar residual (e acidez que equilibra o açúcar), parzinhos certos para molhos mais adocicados.
Gewürztraminer, Torrontes, Moscatel, Malvasia: castas mais aromáticas também aportam então um “tempero” especial em pratos assim.
no almoço no Teva, a sommelière harmonizou Tofu Picante grelhado, molho agridoce de pimenta Gochujang, creme de edamame e hortelã, cebolinha grelhada e gergelim branco com Livverá Malvasia (vinho laranja argentino de Mendonza).
3- Cogumelos e algas em preparações mais cremosas, receitas à base de soja e outros reis do umami.
Talvez o vinho que mais remeta ao hoje em dia tão celebrado “5° sabor”, o tal do umami, seja o vinho laranja.
Nada mais que um branco elaborado como tinto.
Um vinho que dessa forma homenageia os métodos mais ancestrais de vinificação, com maceração de uvas brancas.
Pode ser elaborado com diversas castas e passar por processos variados durante sua produção: recipientes menos usuais para estágio do vinho, como ânforas de barro, tempos de maceração das cascas, que pode ir de 2 semanas a vários meses; enfim tudo depende do estilo do produtor.
Não é branco e não é tinto. É único!
Tem certo tanino, boa presença em boca, às vezes certas notinhas oxidativas e muita personalidade.
Vale à pena prová-lo com alimentos dessa categoria.
mais uma saborosa harmonização Canelone de massa fresca, recheado de ricota de tofu e espinafre, molho cremoso de castanha de caju e alho negro, coberto por muçarela de castanha com vinho tinto brasileiro da Serra Gaúcha, Dal Pizzol Cabernet Franc.
4- Alimentos de terra e bosque.
Cogumelos (grelhados ou assados), beterraba, grãos cozidos (lentilhas, feijões, favas).
Pedem, à princípio, tintos que remetam à mesma família de aromas, que são harmonizações bem acertadas aqui.
Pinot Noirs do velho mundo ou de regiões mais frias (com seu típico “sous-bois” ou subsolo de floresta) e Cabernet Francs por seu caráter vegetal.
Bem como, Merlots com fruta madura e taninos redondos, que podem abraçar os vegetais com sua maciez.
5- Tubérculos adocicados (abóbora, batata doce, cará e cia), molhos à base de curry e/ou leite de coco.
A textura untuosa quase pede em voz alta por um branco bem generoso.
E assim, nada melhor que um Chardonnay mais “gordinho”, com presença de barrica e notas amanteigadas.
Também funcionam outros brancos no mesmo gênero: Vermentino toscano ou brancos da região do Vale do Rhône.
6- Temperos árabes, especiarias, vegetais defumados na brasa.
Reza a lenda que a Syrah tem origem na Pérsia. Fato é que essa senhorita tem um quê da sedutora Sherazade com os perfumes dos sultões.
Experimente com pimentões assados com nozes, moussaka vegana, ragoût de grão de bico com pimenta síria.
7- Pratos à base de tomates – acidez e doçura bem alinhadas.
Aqui não dá pra fugir, a Sangiovese é a queridinha. Enfim, uma história de amor que começou na romântica Toscana e roda o planeta há tantas gerações.
Vinhos mais joviais feitos com esta uva são perfeitos.
Outra opção pode ser um Gamay bem fresquinho, do próprio Beaujolais ou então de outras partes do mundo.
No mais, muito além dessas dicas de harmonização de vinhos com comida vegetariana ou vegana seja feliz e divirta-se: a melhor harmonização são as boas companhias!
Maria Emília Atallah
É sommelière do restaurante Evvai.
Faz consultoria para cartas de restaurantes, curadoria de vinhos para eventos e administração de adegas pessoais.
Membro do comitê de seleção para a importadora de vinhos 4U.Wine, par de Dirceu Vianna, único Master of Wine do Brasil no mundo.
Além de sommelière certificada com mérito nível 3 WSet, tem ainda diploma em “Culinary Arts and Restaurant Management” do Institut Paul Bocuse.
Trabalhou nas cozinhas de grandes restaurantes com Le Jardin des Sens – 3* Michelin em Montpellier (França) e no Brasil no Bistrot Payard, Grupo Le Vin, Café Antique, Tournage, Sofitel SP e RJ.
Foi chef patissière nos restaurantes W Sens (Londres), Zafferano – 1* Michelin (Londres) e Demi chef de partie no the Glade / Sketch do chef Pierre Gagnaire (Londres).
Assim também, foi chef do Buffet A Bela Sintra e proprietária da Milk & Honey, cafeteria kosher.
contato: meatallah@uol.com.br
Fonte: cuecasnacozinha