Ainda que uma caloria seja apenas uma caloria, o modo como o nosso corpo responde a ela varia dependendo do horário em que foi consumida. Um estudo antigo, publicado na Cell Metabolism em 2022, já mostrava isso.
Na pesquisa realizada pela Escola de Medina de Harvard, os cientistas controlaram variáveis como ingestão calórica, sono e atividade física em 16 participantes, que seguiram dois padrões alimentares: refeições mais cedo ou mais tarde. Eles descobriram que comer mais perto da hora de dormir afetava hormônios relacionados à fome, reduzia a queima de calorias e favorecia o armazenamento de gordura.
Segundo a endocrinologista Claudia Cozer Kalil, médica do Hospital Sírio-Libanês e do conselho da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica), isso ocorre por conta do ritmo circadiano. “Durante o dia, temos um processo digestivo (peristalse e absorção) mais acelerado, pois estamos em movimento. Assim, distribuímos melhor a energia obtida, já que nossos sistemas estão trabalhando. Já no período noturno, comer e deitar lentifica todo o processamento de alimentos e faz acumular mais facilmente as calorias extras”, diz.
Outra diferença é que, principalmente após as 22h, o consumo de alimentos aumenta a acidez gástrica, o que pode retardar a digestão das gorduras e a queima de ácidos graxos. Isso não apenas favorece a má digestão, podendo causar refluxo gastroesofágico, mas também pode contribuir para o ganho de peso.
Durval Ribas Filho, presidente da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia), explica que os principais hormônios envolvidos no ganho de peso devido a refeições tardias são a insulina, a glicose e o cortisol. “Quando há consumo de carboidratos simples, por exemplo, ocorre a liberação de insulina, que estimula o armazenamento de gordura por promover um estado anabólico. Já o cortisol, conhecido como um hormônio que favorece o ganho de peso, tende a aumentar em jantares tardios, o que pode interferir na qualidade do sono e, consequentemente, alterar os hormônios que regulam fome e saciedade”, afirma.
“Vale alertar ainda que carboidratos simples, refinados e açúcares consumidos antes de dormir promovem picos de insulina, sobrecarregando as células do pâncreas e, a médio e longo prazo, aumentam o risco de pré-diabetes e diabetes”, completa Ribas Filho.
Rotina ideal
Em grandes cidades, a rotina corrida contribui significativamente para hábitos alimentares inadequados, como a omissão do café da manhã e o adiamento de refeições ao longo do dia, especialmente do jantar, que muitas vezes ocorre após as 21h. Para a nutricionista Laís Murta, doutoranda no departamento de nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP, essa prática faz com que o corpo sinta a necessidade de compensar a falta de nutrientes durante o dia, resultando em refeições noturnas mais calóricas.
De acordo com Murta, o ideal é fazer a última refeição até quatro horas antes de dormir, ou seja, para quem se deita entre 22h e 23h, o recomendado é jantar antes das 19h. Além disso, ela destaca a importância de manter refeições noturnas mais leves, permitindo que o corpo não precise realizar um processo digestivo intenso na hora de dormir.
Como alternativa para quem não tem opção e precisa jantar próximo ao horário de se deitar, a recomendação dos especialistas é se atentar não só para a qualidade, mas também para a quantidade. Portanto, esqueça as grandes porções. “Dê preferência a sopas, iogurtes com frutas, omeletes. Você também pode incluir alimentos ricos em triptofano, como leite morno, banana, aveia, sementes de abóbora ou chia, pois auxiliam no relaxamento e favorecem o sono”, sugere Renan Montenegro Jr., endocrinologista e professor da Faculdade de Medicina da UFC (Universidade Federal do Ceará).
Outra dica é evitar ingerir muito líquido e tentar se movimentar de alguma forma depois de comer, seja tomando um banho ou arrumando alguma coisa em casa antes de ir para a cama.
Fonte: uol