O desfralde, além de ser um dos marcos do desenvolvimento infantil, é um dos momentos mais aguardados pelos pais, seja pela economia ao deixarem de comprar inúmeras fraldas, seja pela alegria ao observar o crescimento e amadurecimento dos seus filhos.
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Contudo,
nem sempre a prática é tão fácil como se vê na teoria. E em determinadas
ocasiões, algumas crianças com idade suficiente para controlar a própria urina,
acabam eliminando-a na cama, enquanto dormem, de forma involuntária.
Conhecida como enurese noturna, a dificuldade de a criança controlar a vontade de urinar enquanto dorme pode ser monossintomática ou não. Ou seja, pode ser causada pela própria imaturidade do sistema nervoso central ou consequência de algum fator externo, como diabetes, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade ou aumento da excreção de cálcio na urina, entre tantas outras, como explica Paula Gripp, fisioterapeuta pélvica infantil da Clínica Vittalice Saúde, em Curitiba.
E ela pode ocorrer meses ou anos após o desfralde, o que deve fazer a família se atentar quanto a presença de algum fator psicológico e social na vida da criança. “Quando ela é submetida a situações estressantes como divórcio dos pais, problemas na escola, nascimento de um irmão, perda de um ente querido, medo do escuro, de levantar à noite ou refém da própria ansiedade, alguma repercussão na urina noturna pode acontecer”, alerta Amanda Letícia Lima, psicóloga clínica especializada em atendimento infantil, infantojuvenil e familiar.
Nos casos em que a enurese não tem vínculo com alguma outra causa, a principal origem é genética. É que em 80% das vezes o pai ou a mãe da criança também apresentaram enurese quando crianças, destaca o urologista Ubirajara Barroso Junior, chefe da Unidade do Sistema Urinário do Hospital Universitário Professor Edgard Santos.
Mudança de hábitos e acompanhamento especializado compõem o tratamento
Embora seja mais frequente nos meninos, a enurese ocorre de forma similar em ambos os sexos. Porém, quando o vazamento de urina ultrapassa os 5 anos de idade da criança, é hora de procurar um profissional especializado para que possa indicar um tratamento adequado, orienta Barroso Jr.
O diagnóstico, segundo Paula, é clínico, baseado geralmente em um diário miccional e de controle de escapes urinários noturno. Por meio deles é possível “observar se há presença de sintomas durante o dia também, como urgência para urinar, postergação da micção ou incontinência urinária”, já que sintomas urinários diurnos modificam a forma do tratamento da enurese noturna, explica o urologista.
Como na grande maioria dos casos não há como prevenir a enurese, é possível que os sintomas sejam reduzidos por meio da mudança de alguns hábitos, como a redução da ingestão de líquidos à noite e urinar antes de dormir, indica Barroso Jr. “Não passar mais do que três horas sem urinar, aumentar ingestão de líquidos durante o dia, evitar alimentos ricos em sal – porque além de dar sede, retém líquido que vai ser eliminado mais tarde quando a criança dorme – e cafeína – porque estimula a bexiga a se contrair também podem ter eficácia”, acrescenta ele.
Contudo, quando essas medidas falham, o especialista, mediante a avaliação de cada caso, pode indicar algum tratamento medicamentoso que reduz a excreção da urina à noite, ou fisioterapêutico, através da estimulação neural ou alarme noturno, destaca Paula. “E, quando o escape do xixi noturno é vinculado a outras causas, como alguma doença, os fatores de base a que ele está associado é que devem ser investigados e tratados”, alerta a fisioterapeuta pélvica.
Independentemente da causa, uma das condutas que não deve ser adotada pelos pais para evitar o xixi na cama, segundo a especialista, é a de acordar a criança no meio da noite para levá-la ao banheiro, “pois é no período noturno que a criança produz os principais hormônios, principalmente o do crescimento e o de controle da urina”.
Enurese pode acarretar problemas sociais e psicológicos
O
tratamento adequado da enurese noturna, além de prevenir a infecção urinaria, o
cansaço extremo pelas noites mal dormidas e diminuir o transtorno causado com o
pijama e a roupa de cama encharcados, também é imprescindível para prevenir
transtornos psicológicos e sociais nas crianças, que podem se tornar alvo de
agressão física dos pais, psicológica dos colegas e até mesmo vítimas de
suicídio, devido a exposição social, adverte Paula.
Nenhuma
criança gosta de urinar na cama, isso é óbvio. Por isso, a enurese causa sensação
de imaturidade, sofrimento, tristeza e de impotência na diante de algo que ela
está fazendo e acha que é errado, apesar de não ter culpa nenhuma. “E
geralmente ela não verbaliza isso, então, passa a ser mais introvertida, tem
vergonha do que está acontecendo e pode perder inclusive a relação de
comunicação e confiança com os pais”, conta o urologista.
E, além
da baixa autoestima, o seu vínculo social também pode ser prejudicado, já que
deixa de dormir na casa de colegas ou de familiares, por medo de que seu
“segredo” seja revelado, ou até mesmo se torna vítima de bullying na escola quando
sua intimidade é violada.
Por isso, para auxiliar a criança na compreensão da situação e ensiná-la a lidar com imprevistos que podem ocorrer, é fundamental que a criança usufrua de tratamento psicoterapêutico, orienta Amanda. “Esta intervenção em conjunto com a participação dos pais, educadores e professores irá contribuir para que a criança consiga desenvolver-se de maneira saudável, sem acarretar um trauma para a vida adulta”, acrescenta a psicóloga.
E,
mais do que tudo, é imprescindível que os pais tenham consciência de que a
criança urina na cama por um fator fisiológico não controlável e que muitas
vezes a criança não percebem o escape de urina. Por isso não devem reprimi-la,
pelo contrário, precisam apoiá-la durante todo o tratamento, evitando
principalmente transtornos físicos e psicológicos, acredita Paula.
“Entendo
que seja difícil para os pais passarem por essa situação, mas repreender ou
brigar podem deixar a criança envergonhada ou com medo de falar que fez xixi na
cama outra vez, piora o quadro e abala ainda mais a autoestima da criança”,
destaca Amanda.
Nesse sentido, Barroso Jr. entende que a repressão dos pais é tão prejudicial que pode causar danos físicos, se ela for uma punição com contato, e se a criança apanhar por isso, certamente causará um dano psicológico enorme, afinal o escape de urina não é feito por preguiça ou desleixo.
E, mesmo
perante o desconforto dos pais, Amanda indica que evitem mostrar qualquer
resistência ou nojo à criança. “Para ela, a urina e as fezes são algo que vem
de si, que é seu, tanto que ensinamos a dar tchau para o cocô, a ver aquilo
como algo natural do nosso ser”, complementa. “Ao perceber sinais negativos, a
criança não vai compreender e achar que aquilo é errado, podendo desenvolver
sentimentos de culpa e problemas fisiológicos”.
“Desmistificar o problema, explicando para criança que isso não é uma doença e é algo que com o crescimento vai se resolver na maior parte das vezes, deixa ela segura para superar suas dificuldades”, complementa o urologista Barroso Jr.
Por isso, a atitude dos pais em relação a esta aprendizagem, mesmo quando a criança se encontra na idade dita “normal”, deverá ser sempre bastante cuidadosa, uma vez que um comportamento inadequado dos pais, pode levar a criança a reações de revolta e de defesa, conclui a psicóloga.
Fonte: semprefamilia.com.br