Will Duffy é pastor de uma igreja pequena no Colorado, nos Estados Unidos. Ele é mais conhecido, porém, por ter um grande objetivo: acabar definitivamente com o debate entre os terraplanistas (que acreditam na teoria da conspiração estapafúrdia de que a Terra é plana) e os “globistas” (que acreditam na ciência e no formato redondo do nosso planeta).
Não é como se fosse um debate justo e válido, claro. Não faltam evidências para o formato da Terra, que é um consenso científico compartilhado por praticamente todas as áreas do conhecimento. Desde o século 6 a.C., Pitágoras já defendia que a Terra era uma esfera. No século 4 a.C., Aristóteles e Eratóstenes chegaram à mesma conclusão com experimentos empíricos.
Mesmo assim, Duffy tinha esperanças de que sua ideia ajudasse a solucionar a questão (que já tem solução há milênios), pelo menos para convencer os terraplanistas de que eles estão errados. O pastor organizou um grande teste chamado de “O Experimento Final”.
A iniciativa consiste em levar formadores de opinião dos times terraplanistas e “globistas” para a Antártida. Lá, eles checariam in loco o fenômeno conhecido como “Sol da meia-noite”. Se ele fosse mentira, os conspiracionistas venceriam. Se fosse verdade, o terraplanismo cairia por terra. E foi exatamente isso o que aconteceu para Jeran Campanella, um dos convidados terraplanistas da expedição.
O que é o “Sol da meia-noite”
No Círculo Polar Ártico e no Círculo Polar Antártico, há locais onde é possível ver o Sol durante as 24 horas do dia, nos dias próximos ao solstício de verão. Esse fenômeno acontece por causa da inclinação do eixo da Terra, que faz com que a luz solar seja recebida de forma desigual na superfície do globo.
No hemisfério norte isso é comum, e várias pessoas podem presenciar o Sol da meia-noite no Alasca, no Canadá, na Groenlândia, nos países escandinavos, na Rússia e no extremo norte da Islândia. Na Antártida, ver o fenômeno é mais raro porque normalmente não tem ninguém ali para ver nada. Isso levou alguns terraplanistas a espalhar que o Sol da meia-noite no Polo Sul seria uma mentira inventada.
A existência do fenômeno é um baita baque para a “teoria”, que acredita que a Antártida, em vez do Polo Sul, fica situada nas margens do planeta – que tem o formato de uma bolacha flutuando no espaço – e que o Sol gira em torno do Centro da Terra.
Terraplanistas chocados
Campanella é o dono de um canal de YouTube popular de teorias da conspiração chamado Jeranism, que ele usa para espalhar desinformação para seus 164 mil inscritos e se “opor ao mainstream” (ou seja, ficar do lado contrário da tendência dominante da sociedade, só por ficar). No caso dele, ser o oposto do mainstream não significa ser punk e lutar contra o sistema, e sim espalhar fake news pseudocientíficas.
Ele foi um de três terraplanistas que aceitaram ir para a Antártida com despesas pagas para assistir o Sol da meia-noite. De acordo com o site do experimento, a viagem custou US$ 31.495 (R$ 192 mil), mas os influencers conspiracionistas não precisaram desembolsar nada. No total, 24 terraplanistas foram convidados, mas só três toparam.
Além dos terraplanistas, 24 “globistas” também foram convidados. Oito toparam a viagem, mas nem todos foram de graça. Dois se deram bem, um pagou tudo do bolso e os outros recorreram ao financiamento coletivo.
O grupo organizado pelo pastor Duffy se hospedou no Union Glacier Camp, o único acampamento privado na terra de Ellsworth, região planáltica da Antártida. Por lá, os produtores de conteúdo gravaram vários vídeos.
Direto do Polo Sul, Campanella admitiu: “Às vezes, estamos errados na vida”.
Depois de presenciar o Sol da meia-noite, Campanella aceitou que a explicação padrão do movimento terraplanista está errada. “Não vou dizer que a Terra é uma esfera perfeita, mas o Sol faz exatamente o que esses caras disseram: ele circunda a Terra.”
“Eu percebi que eu seria chamado de cúmplice dos vigaristas se admitisse, mas se ser honesto é ser cúmplice, que seja”, ele afirmou. Isso quer dizer, para Campanella, que a Terra não é plana? Ele não diz isso de forma explícita, e fala que as pessoas precisam tomar as próprias conclusões. O que é certo é que ele não acreditava no Sol da meia-noite e agora acredita. “Isso não quer dizer que a Terra plana tenha acabado… talvez alguém tenha a resposta. Eu não tenho a resposta agora.”
A viagem, para Campanella, foi “incrível”, e a chegada de avião foi a “coisa mais linda” que ele já viu – mesmo que ele não pareça muito feliz falando isso no vídeo do The Final Experiment.
Austin Witsit, outro dos terraplanistas que foram para a Antártida, ficou menos impressionado pelo Sol brilhando 24 horas seguidas. Ele afirmou que o que ele viu ali “não falsifica a Terra plana, nem prova que é um globo”. Às vezes, ver não é suficiente para crer.
Fonte: abril