Com a passagem do furacão Milton no estado da Flórida, no começo de outubro, teorias da conspiração envolvendo a catástrofe se espalharam pelas redes sociais. Entre elas, ficou famosa a ideia de que a tempestade era artificialmente controlada por autoridades, como cientistas ou o próprio governo, usando uma tecnologia super avançada.
A história falsa chegou a ser propagada até por uma deputada federal, a republicana Marjorie Taylor Greene. “Sim, eles podem controlar o clima. É ridículo alguém mentir e dizer que não pode ser feito”, publicou ela no X (ex-Twitter).
Teorias da conspiração sobre um suposto o controle do clima são antigas. A mais famosa delas envolve as antenas HAARP, um projeto de pesquisa americano acusado por conspiratórios de conseguir manipular o clima e criar catástrofes.
É tudo bobagem, claro. Não existe uma tecnologia capaz de fazer alterações tão extraordinárias e castastróficas no clima. As mudanças climáticas, por sua vez, vêm fazendo com que os eventos climáticos extremos aconteçam cada vez mais frequentemente – e cada vez mais devastadores.
Mas de fato a ciência tenta entender quais intervenções humanas podem ser feitas para combater o aquecimento global – é a chamada geoengenharia climática. A proposta mais famosa é a captura de CO2 da atmosfera: sequestrar carbono e enterrá-lo no subsolo.
Mas esse campo de pesquisa também inclui a semeadura de nuvens para gerar chuvas artificiais e fertilização dos oceanos com ferro para impulsionar a fotossíntese dos fitoplânctons, por exemplo. Tudo isso só foi testado em nível local, com um impacto bem modesto, e estamos longe de manipular o clima a nosso bel-prazer.
Nas décadas passadas, porém, os cientistas foram ainda mais ousados: tentaram manipular furacões e tempestades tropicais a fim de enfraquecê-las.
Entre 1962 e 1983, a National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), agência federal do governo americano que lida com o clima, organizou o projeto Stormfury, a mais emblemática e ambiciosa tentativa de modificar furacões e outras tempestades tropicais.
A ideia por trás do projeto era tentar enfraquecer as paredes do “olho” do furacão, aquele “buraco” que vemos quando olhamos a tempestade por cima. Nessa “borda” estão os ventos mais fortes e destrutivos da estrutura, e enfraquecê-los, mesmo que só um pouco, já diminuiria o perigo do fenômeno.
Como? Cientistas hipotetizavam que seria possível fazer isso usando iodeto de prata, um dos principais compostos usados no processo de semeadura de nuvens para fazer chuva artificial. A molécula interage com a água nas nuvens e forma pequenos cristais de gelo, que, por sua vez, levam à precipitação.
No caso dos furacões, a ideia do uso do iodeto de prata seria criar um mini olho dentro do olho do ciclone, com ventos mais fracos. Aviões voariam para o centro do furacão e despejariam quantidades da substância no local para isso.
O novo olho cresceria aos poucos e, eventualmente, substituiria o olho original do furacão. Nesse processo, toda estrutura da tempestade seria afetada, diminuindo a força dos seus ventos. Isso tudo na teoria, claro.
Quando os cientistas começaram a colocar isso na prática, em tempestades que se formavam e morriam no mar, longe do continente, se surpreenderam. Os primeiros resultados mostraram que, em várias ocasiões, os furacões perdiam algo entre 10% e 30% de sua força – algo bastante significativo. Parecia estar funcionando.
Anos mais tarde, porém, os pesquisadores revisitaram os resultados do projeto e concluíram que tudo não passava de viés de confirmação. Os furacões analisados perderam força, sim, mas naturalmente. O mesmo aconteceria sem a intervenção humana, que, no fim, tinha impacto nulo. Prova disso é que outras tempestades que não fizeram parte do projeto Stormfury tinham tido uma trajetória parecida de enfraquecimento, totalmente natural.
Com mais conhecimento sobre furacões nas próximas décadas, a comunidade científica entendeu que os furacões são poderosos demais para serem domados. A semeadura com iodeto de prata tinha um impacto muito mínimo no olho do furacão, incapaz de desestabilizar sua estrutura.
Na década de 1980, o governo federal desistiu do projeto e concluiu que não valia a pena pensar em outros meios de intervenção do tipo. Hoje, a agência NOAA diz que o foco é melhorar as previsões climáticas para melhor preparação da sociedade quando um furacão se aproxima e mitigação de danos. “A melhor solução não é tentar alterar ou destruir os ciclones tropicais, mas simplesmente aprender a coexistir com eles”, diz o órgão.
Fonte: abril