No início da década de 1910, o geólogo Thomas Griffith Taylor encontrou algo surpreendente durante sua expedição à Antártida: uma geleira onde corria sangue.
Não era bem sangue, obviamente. Da geleira de Taylor (batizada com o sobrenome do explorador), escorre um fluxo de água com coloração avermelhada. Chamado “Blood Falls”, ou “cachoeiras de sangue”, o fenômeno intrigou pesquisadores por mais de um século. A cena de filme de terror era um mistério da natureza.
Em 2018, um grupo de pesquisadores usou um radar na geleira, que identificou uma complexa rede de rios por baixo do gelo e até um lago subglacial, em que corria uma água rica em sal e em ferro. Graças ao sal, a temperatura de solidificação da água diminui, permitindo que ela flua mesmo em baixas temperaturas. Em contato com o oxigênio da atmosfera, o ferro oxida e ganha a coloração vermelha enferrujada. A soma desses dois fatores cria a impressão de sangue escorrendo da geleira.
Agora, um estudo recente descobriu mais uma peça desse quebra-cabeças.
Um grupo de cientistas usou uma nova abordagem, examinando amostras da água das cachoeiras de sangue para entender sua composição. Eles encontraram, sim, ferro – mas não na forma que imaginavam. A água não continha o elemento em sua forma mineral, mas sim, acumulado em pequenas nanoesferas que também continham silício, cálcio, alumínio e sódio.
Os verdadeiros culpados pelo “sangue” então, são as nanoesferas: bolinhas minúsculas, um centésimo do tamanho de uma hemoglobina e com propriedades únicas. Buscando encontrar minerais, pesquisas anteriores negligenciaram alternativas minúsculas e diferentes.
“Para ser um mineral, os átomos devem estar dispostos em uma estrutura cristalina muito específica. Essas nanoesferas não são cristalinas, então os métodos usados anteriormente para examinar os sólidos não as detectaram”, afirma Ken Livi, um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo.
Do continente gelado para o planeta vermelho
Embaixo das camadas de gelo do continente se esconde uma vida microscópica única, que manteve-se longe de incômodos por milhares de anos. Um ecossistema de bactérias autótrofas, por exemplo, se alimenta desse ferro para sobreviver – uma relação não muito usual, em um ambiente também incomum. Entender melhor essas circunstâncias pode preparar a ciência para procurar vida em outros planetas, como Marte.
Isso mesmo. Graças às peculiaridades encontradas nas geleiras da Antártida, elas servem como uma espécie de “campo de testes” para cientistas interessados em descobrir vida fora da Terra. E foi exatamente o que os pesquisadores miraram: simular técnicas do “passado, presente e futuro dos métodos de exploração em Marte”.
“Nenhum outro lugar no mundo natural permite uma aproximação tão próxima da superfície marciana”, escrevem em seu artigo, publicado, não por acaso, no periódico Frontiers in Astronomy and Space Sciences. “Este estudo emprega intencionalmente técnicas analíticas anteriormente usadas em rovers e orbitadores em Marte.”
Se o Perseverance, rover marciano mais recente, pousasse na Antártida, ele não poderia fazer as mesmas observações que os cientistas do presente estudo, já que os instrumentos empregados nele não são capazes de detectar as nanoesferas. Elas só foram percebidas com ajuda de um microscópio eletrônico. Colocar um desse à bordo de um rover ainda não é possível – eles são grandes e consomem muita energia –, então as amostras teriam que vir para a Terra.
“Nosso trabalho revelou que a análise conduzida pelos veículos é incompleta em determinar a verdadeira natureza dos materiais nas superfícies dos planetas. Isso é especialmente verdadeiro para planetas mais frios como Marte, onde os materiais formados podem ser nanométricos e não cristalinos”, afirma Livi. “Consequentemente, nossos métodos para identificar esses materiais são inadequados”.
Talvez a razão de ainda não termos encontrado vida em Marte, então, seja a falta de instrumentos certos para achá-la.
Fonte: abril