Ao redor do seu cérebro há uma barreira que controla rigidamente o que entra no órgão mais importante do seu corpo. Ela é essencial para a proteção, mas também é um obstáculo para o fornecimento de moléculas grandes de medicamentos ao cérebro. Várias pesquisas já tentaram projetar alternativas que furassem essa barreira, sem muito sucesso.
Agora, cientistas exploram uma possibilidade inusitada: ‘hackear’ um parasita cerebral e transformá-lo num entregador dos medicamentos.
O Toxoplasma gondii é um protozoário sagaz, que contamina quase todos os tipos de animais de sangue quente e está presente no corpo de cerca de 30% da população mundial.
No Brasil, essa taxa pode chegar a 70%. Se é algo que muita gente já tem de qualquer jeito, pode ser bom fazer os bichos funcionarem para nós.
Apesar de, em geral, não causar prejuízos para humanos, o parasita se aloja no cérebro e pode ficar lá, silenciosamente, por uma vida inteira. Ele também pode bombear grandes proteínas para as células cerebrais ao seu redor e, assim, modificar o comportamento do hospedeiro.
Por si só, isso não é bom para os seres humanos e outros animais. (Se você quiser saber mais sobre o parasita e seus mecanismos ousados de sobrevivência, leia aqui a reportagem “O verdadeiro dono do mundo”.)
Mas e se a capacidade do T. gondii de atravessar a barreira hematoencefálica pudesse ser aproveitada para o bem?
Cientistas alteraram geneticamente as organelas do protozoário, para alterar duas das proteínas que eles secretam. Ao invés de secretarem as toxinas de sempre, alguns dos T. gondii agora produziam substâncias conhecidas por tratar doenças neurológicas humanas.
A tecnologia foi testada in vitro, em células, e depois em camundongos. O teste funcionou: os parasitas agora entregavam os remédios direitinho.
Só tem um (grande) problema: eles continuavam sendo parasitas alojados no cérebro. É como se o seu delivery viesse em um tanque de guerra que derruba o portão da sua casa e amassa seu jardim. Você ainda recebe o lanche, é verdade, mas será que vale a pena?
Na prática, o estudo serviu para comprovar que é possível fazer essa modificação genética, abrindo uma possibilidade que ainda precisa ser profundamente investigada e projetada.
Os próprios autores reconhecem isso no estudo, que foi publicado no último dia 29 na revista Nature Microbiology.: “O foco deste trabalho é fornecer uma prova de conceito para a viabilidade do uso do T. gondii como vetor versátil de proteínas, bem como diretrizes preliminares para o desenvolvimento futuro dessa abordagem.”
Segundo eles, as próximas etapas da pesquisa serão essenciais para o futuro da tecnologia. Eles devem desenvolver mecanismos que reduzam o prejuízo e os riscos impostos pela infecção do parasita.
Por enquanto, se você tiver a companhia do Toxoplasma gondii, eles devem continuar sendo os originais, sem interferência hacker.
Fonte: abril