Em 2004, após sete anos de viagem interestelar, a missão Cassini-Huygens chegou na órbita de Saturno. O projeto, comandado pela Nasa, pela ESA (Agência Espacial Europeia) e pela ASI (Agência Espacial Italiana), ficou em operação até o fim de 2017.
A missão Cassini foi uma das mais ambiciosas de seu tempo, com uma nave do tamanho de um ônibus de dois andares e equipamentos de ponta para realizar diversas medições. Ela carregava quase 33 quilos de combustível nuclear, principalmente dióxido de plutônio.
Quem conta essa história é a astrofísica Rosaly Mutel Crocce Lopes, que trabalhou na Missão Cassini a partir de 2002. No dia 27 de novembro, ela apresentou uma palestra chamada “Luas geladas e criovulcanismo: Descobertas da missão Cassini” na sede da Associação Brasileira de Ciências.
A missão Cassini forneceu dados importantes para o estudo de Saturno e de suas luas. O planeta tem 146 satélites naturais, o maior deles é Titã. Em 2005, a nave Cassini soltou a sonda Huygens, que passou duas horas e meia caindo em direção ao solo de Titã.
“A gente não sabia quase nada sobre a superfície de Titã, foi bem no começo da missão, então não sabíamos se essa sonda ia pousar em um lago, cair num buraco, pousar em cima de uma rocha pontuda. Enfim, não se sabia onde ela ia pousar, por isso ela foi colhendo dados enquanto descia”, diz Lopes.
No vídeo abaixo, você pode assistir ao momento exato em que a sonda chegou ao solo de Titã.
O pouso foi bem sucedido, marcando a primeira vez que um objeto construído pelo ser humano pousou num corpo celeste do Sistema Solar externo, a região que compreende os planetas Júpiter, Saturno, Urano e Netuno e suas luas.
A manobra foi facilitada pela atmosfera de Titã, a segunda mais densa do Sistema Solar. (Se bateu a curiosidade, saiba que a atmosfera mais densa é a de Vênus, seguida pela de Titã, a da Terra e a de Marte).
Huygens transmitiu imagens e dados para a Terra. Os dois estavam separados por cerca de 1,3 bilhão de quilômetros, e a transmissão por ondas de rádio levava entre 68 e 84 minutos. Por isso, não era possível dar instruções em tempo real ou lidar com os imprevistos: qualquer ocorrência ou comando levava mais de duas horas para ser comunicada.
Infelizmente, das 700 imagens que Huygens conseguiu do solo de Titã, metade foi perdida em uma falha de comunicação. Mesmo assim, as imagens restantes alimentam pesquisas científicas desde então, especialmente quando somadas aos outros dados coletados por radares e outros instrumentos.
As imagens revelam pedras redondas. “Eu me lembro que um jornalista disse ‘ah, isso parece Marte’, mas não, não parece Marte. Porque essas rochas, que são de gelo, são arredondadas. E onde que se acham rochas arredondadas? Em rios. Então essas rochas estavam em rios de metano e foram arredondadas pelo rio.” explica Lopes. “ Se você ver imagens da superfície de Marte, por exemplo, são rochas vulcânicas, então elas não são arredondadas, elas são mais pontudas.”
Titã é tão grande que, se não orbitasse Saturno, seria considerado um planeta por si só. Com um diâmetro de mais de 500 quilômetros, Titã é coberta por uma crosta de gelo que esconde um oceano líquido.
O planeta é coberto por lagos enormes de metano, maiores do que qualquer um terrestre. Ela conta que a decisão do tema dos nomes é tomada por comitês específicos da International Astronomical Union, um processo do qual ela participou para os lagos de Titã. Eles foram nomeados em homenagem a lagos terrestres que têm formatos semelhantes.
“E aí uma estudante minha estava vendo no Google Earth e eu disse ‘nós precisamos de nomes para esses lagos’. E ela achou um no Brasil: é da Lagoa Feia, mas eu não disse para ela o que queria dizer em português.” Lopes conta, rindo. “Então agora nós temos o Lago Feia em Titã.” O lago homenageado fica próximo à cidade de Campo dos Goytacazes, no Rio de Janeiro.
Titã abriga também um fenômeno que ficou apelidado de “Ilha Mágica de Titã”: entre 2007 e 2014, as imagens de radar detectaram uma mudança nas margens de um dos lagos. Parecia ser uma ilha ou iceberg do tamanho aproximado do estado do Maranhão se movimentando debaixo da água.
Embora não haja uma resposta absoluta, é provável que o fenômeno esteja relacionado a ondas, bolhas emergentes, sólidos flutuantes. E as mudanças no posicionamento podem estar relacionadas a ventos, mudanças de temperatura e de estação do ano. “Só sabemos que não é nem uma ilha e nem mágica.”, conclui Lopes.
Fonte: abril