Se num passe de mágica essa anã amarela com diâmetro equivalente ao de 100 planetas Terra sumisse, ela pareceria estar no céu ainda por oito minutos. É que a luz do leva esse tempo para percorrer os 150 milhões de quilômetros que nos separam dele.
A luz e a gravidade também. Como descobriu, a força que mantém astros menores girando em volta de astros maiores, numa espécie de queda infinita que chamamos de “órbita”, também se move à velocidade da luz. Oito minutos após o desaparecimento do Sol, portanto, a não estaria mais “presa”. Seguiria em linha reta, mantendo por inércia a velocidade de 108 mil km/h com a qual orbitava o Sol.
Idem para os outros planetas do sistema solar. Eles giram em torno do Sol como bolas de gude sobre as faixas de um disco de vinil – cada um à sua velocidade. Então quase sempre há algum planeta do lado oposto do “disco”. E os astros mais distantes, caso dos planetas gasosos, movimentam-se mais lentamente, já que o puxão gravitacional do Sol é mais tênue na periferia do Sistema. Júpiter, por exemplo, corre a 46 mil km/h, menos da metade do nosso pique.
Ou seja: se Júpiter estiver do lado oposto à Terra no ato do desaparecimento do Sol, em algum momento a Terra pode emparelhar com seu colega de sistema planetário onze vezes maior (e 318 vezes mais massivo). E aí passar a girar na órbita dele.
Isso é extremamente improvável, diga-se. A quantidade de espaço vazio entre os planetas é tão descomunal que dificilmente rolaria um emparelhamento. E se rolasse, não veríamos nada, claro. Sem o Sol, os planetas não teriam luz alguma para refletir. Ficariam todos imersos no breu espacial. Invisíveis.
Mas vamos ao que interessa: o que aconteceria com a gente? Nas primeiras horas, nada. Já passamos metade do tempo sem luz solar, e tudo certo. Na real, uma noite eterna seria plenamente suportável, não fossem dois problemas.
Um é a fotossíntese. Plantas “comem” moléculas de carbono do ar – transformando-as em carboidratos. Esse processo requer energia para quebrar as moléculas. E essa energia vem da luz solar. Sem ela, basicamente todas as plantas deixariam de crescer imediatamente, e morreriam em questão de semanas. A única exceção seriam árvores de grande porte, que mantêm reservas de carboidrato suficientes para sobreviver por décadas sem fazer fotossíntese. Só que não comemos árvores grandes. Apagado o Sol, apaga-se imediatamente a produção de alimentos – de todos os alimentos, já que galinhas, bois e cia também não teriam o que comer.
O outro problema é a queda de temperatura. De acordo com o astrofísico Marco Krco, da Universidade Cornell, nos EUA, a temperatura cairia pela metade na escala Kelvin a cada dois meses.
Tradução: a temperatura média na superfície da Terra hoje é de 13,9 graus Celsius. Isso dá 287 Kelvin. No ritmo que Krco calculou, a queda seria basicamente a seguinte:
- Após uma semana: -4 ºC (269 ºK)
- Após 15 dias: -22 ºC (251 ºK)
- Em um mês: -58 ºC (215 ºK)
- Em dois meses: -129 ºC (143 ºK)
- Em quatro meses: -201 ºC (71,75 ºK)
Sob uma temperatura dessas, começa a chover ar. A atmosfera liquidifica. Ela é constituída majoritariamente por dois gases, o nitrogênio (78,08%) e o oxigênio (20,95%). O ponto de ebulição do oxigênio é de -183 ºC. O do nitrogênio, -196 ºC. Ou seja, a -200 ºC, o ar deixa de ser gás. Vira líquido e cai. Ficamos sem atmosfera.
Aquilo que um dia estava no céu se transforma em lagos (os lagos normais, e os mares, já teriam virado gelo grosso há um bom tempo).
Um pouco mais tarde, sob uma temperatura de -210 ºC, esses lagos de nitrogênio também se tornam sólidos.
E é o fim da odisseia terrestre.
Ou não. As fossas hidrotermais no fundo dos oceanos seguiriam ativas, já que não dependem do Sol, e sim do calor gerado pelo centro da Terra. Os elementos químicos que esses jatos de água quente diluem servem de comida para as bactérias extremófilas. Elas seguiriam suas vidas normalmente, sem nem notar que o Sol foi deletado.
Enquanto isso, a Terra vagaria pelo espaço vazio. Com muita, mas muita sorte, essa bola de gelo inerte, escura, e povoada apenas por extremófilos, poderia ir parar na órbita de alguma das 200 bilhões de estrelas da Via Lactea.
Caso isso acontecesse, o filme voltaria. Se o planeta estacionar numa órbita ideal, nem muito perto nem muito longe da nova estrela, a atmosfera voltaria a ser gasosa; água, a ser líquida. Talvez os extremófilos evoluíssem em formas de vida mais complexas. Eventualmente inteligentes.
E um dia, quem sabe, os cientistas dessa Terra 2.0 podem descobrir vestígios de que outra espécie inteligente, bilhões e bilhões de anos antes deles, já chamou o planeta de seu.
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PS. O final deste texto foi inspirado num vídeo do divulgador de ciência Michael Stevens, do canal VSauce. Os cálculos que ele usa ali não são os mesmos que utilizamos aqui, mas vale uma visita.
Fonte: abril