Há cinco anos, o SARS-CoV-2 foi identificado em humanos em Wuhan, na China. Assim como vários outros patógenos, o vírus causador da Covid-19 provavelmente surgiu da interação entre humanos e animais. Justamente por isso, os cientistas sempre se preocupam em monitorar como está a transmissão entre diferentes espécies, atentos às mutações que ocorrem naturalmente nos vírus.
Em um novo estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) no Jardim Zoológico de Belo Horizonte, 19% dos animais testados já haviam sido infectados com o SARS-CoV-2 em algum momento. Isso não significa que os animais tenham adoecido com Covid-19, mas sim que o vírus circulou pelos seus corpos.
“Na maioria dos animais, a infecção por SARS-CoV-2 não causa sinais clínicos ou apresenta apenas sinais leves”, explica à Super a pesquisadora Anisleidy Pérez, principal autora do estudo e doutoranda pela UFMG. “Às vezes ele é como um enterovírus, um vírus que circula no sistema gastrointestinal, que pode ser eliminado nas fezes mas não causa doença”, completa Renato Santana, orientador de Pérez e professor da UFMG.
A principal preocupação dos cientistas não é com o risco para a saúde individual dos bichos, mas com a transmissão para animais silvestres e a criação de reservatórios biológicos. Isso porque, mesmo sem causar sintomas no hospedeiro, os vírus podem passar por mutações que os transformam em versões mais contagiosas ou causadoras de sintomas graves, por exemplo.
“A circulação do vírus em animais silvestres aumenta a possibilidade de surgimento de novas variantes que poderiam, eventualmente, ser transmitidas de volta aos humanos. Isso é especialmente relevante considerando que a origem exata do vírus e o animal intermediário na transmissão entre morcegos e humanos ainda são desconhecidos”, explica Pérez.
Esse tipo de salto entre espécies ocorre frequentemente com o vírus da influenza: ele circula entre porcos, aves e humanos, adquirindo mutações em cada hospedeiro. “Quando ele passa para humanos, pode ainda ser mais letal. Igual à gripe aviária que a gente está vendo agora com o H5N1, porque nós nunca fomos expostos a esses vírus”, explica Santana.
O estudo foi publicado na revista Virology Journal em novembro. Entre os animais em que o vírus foi detectado estavam gorilas, lobos-guarás, um gato palheiro, e algumas espécies de cervos. A maioria dos animais esteve em contato com a variante Omicron, mas chamou a atenção dos pesquisadores a presença da variante Alpha nos cervos.
Para Pérez, esse foi o achado mais interessante da pesquisa. Outros estudos internacionais já haviam indicado que esta variante é mais prevalente entre os cervos, sem necessariamente uma relação com a circulação em humanos.
“Isso levantou a hipótese de que o vírus tenha se adaptado a estes animais especificamente, um fenômeno já descrito em outros países e espécies, como os veados-de-cauda-branca”, explica Pérez. “Essa descoberta nos levou a questionar quais mutações essa variante teria adquirido para persistir e evoluir nesta espécie”.
Os genomas do vírus encontrados no zoológico foram comparados com bancos de dados de outros tipos de coleta em animais ao redor do mundo. “Se as nossas sequências de SARS-CoV-2 do zoológico dos diferentes animais se agrupassem principalmente com as amostras de SARS-CoV-2 de outros animais do mundo, significaria que aquele vírus já estava circulando nos animais e provavelmente veio de transmissão animal-animal. Mas não foi isso que aconteceu”, diz Santana.
Pérez explica que o estudo realizado não permite definir a trajetória precisa do vírus, para determinar a origem da contaminação nos animais. No entanto, a hipótese principal é de que a transmissão tenha ocorrido de humanos, já que os genomas sequenciados se agruparam com genomas virais identificados em humanos da região de Belo Horizonte.
O estudo integra uma rede de vigilância genômica nacional. “Para você entender e predizer novos eventos de epidemia, não basta estudar apenas vírus em humanos, você tem que estudar vírus em animais, no meio ambiente, inclusive em esgoto, em águas residuais, porque isso mostra que o vírus não circula só em humanos, a gente pega ele de algum local.”, diz Santana.
Fonte: abril