Sophia @princesinhamt
Ciência & Saúde

Biologia: Entenda a Polêmica da Vida Espelhada e seus Riscos

2024 word1
Grupo do Whatsapp Cuiabá

Um clássico das aulas de química é o conceito de quiralidade. Para quem dormiu na aula, vai o resumo: muitas moléculas têm duas versões espelhadas, chamadas de “destra” e “canhota” (em referência às nossas mãos e pés, que exibem a mesma propriedade).

Elas são representadas pelas letras S e R, oriundas das palavras latinas para destro e canhoto: rectussinistrus. Ao longo da Antiguidade e da Idade Média, havia preconceitos e superstições contra canhotos motivo pelo qual a palavra “sinistro” chegou com conotação negativa no português contemporâneo.

Dá só uma olhada:

(S)-Alanine (left) and (R)-alanine (right) in zwitterionic form at neutral pH

Embora pessoas canhotas evidentemente não tenham qualquer diferença em relação às destras, as moléculas têm. Vide o caso trágico da talidomida, que aparece em todos os livros-texto universitários de química.

Esse fármaco contra náusea era receitado a mulheres grávidas na Europa dos anos 1950. O problema é que sua forma espelhada (o nome técnico é enntiômero) causava problemas congênitos gravíssimos nos bebês, e os comprimidos continham tanto a forma S como a R. Resultado: 12 mil bebês nasceram com deficiências variadas.

Acontece que esse acaso se fixou. É

Recentemente, alguns biólogos começaram a investigar a possibilidade de criar, em laboratório, biomoléculas ou até bactérias inteiras que funcionem ao contrário, com DNA canhoto e proteínas destras. Isso ainda não é possível com a tecnologia atual (sequer conseguimos sintetizar células com a quiralidade comum), mas trata-se de um plano factível para as próximas décadas.

Esse trabalho tem possíveis aplicações práticas. Por exemplo: se você precisa fazer um fármaco que resista à degradação dentro do paciente, construi-lo usando uma proteína destra é uma boa estratégia, porque nossos corpos não têm a infraestrutura bioquímica necessária para lidar com elas. É como tentar calçar uma luva de mão esquerda com a mão direita.

Isso significa, é claro, que uma bactéria do mundo invertido seria um desafio para o sistema imunológico dos seres vivos comuns. Já existem experimentos mostrando, por exemplo, que nossas células de defesa não conseguem cortar pedacinhos de proteínas (os peptídeos) invertidas para apresentá-las aos linfócitos, que então fabricariam anticorpos sob medida para combatê-las.

Por isso, um grupo de 32 cientistas de 9 países publicou recentemente na Science um manifesto que pede a proibição preventiva dessas pesquisas para evitar uma pandemia devastadora ou a invasão de ecossistemas por uma bactéria espelhada bem-sucedida.

“Em virtude de sua quiralidade invertida, as bactérias espelho podem escapar de muitas formas de predação e interferência microbiana”, escrevem os autores.

“Eles seriam intrinsecamente resistentes à infecção por bacteriófagos de quiralidade natural, podem ser resistentes ao consumo por muitos predadores e podem ser resistentes à maioria dos antibióticos produzidos por competidores microbianos.”

Em sua coluna no jornal O Globo, a microbiologista brasileira Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), explica que, embora seja justo apontar o risco dessas pesquisas, é importante não exagerá-lo tanto pelo perigo de gerar pânico na opinião pública quanto pela possibilidade de interromper investigações que podem ter desfechos benéficos, como novos medicamentos.

“Supondo que o organismo espelhado seja construído, ele estaria em um laboratório de segurança máxima. O segundo passo para o desastre seria ele escapar. Considerando que isso também aconteça, a bactéria-espelho teria de sobreviver em um ambiente em que os nutrientes são inadequados, porque, do ponto de vista dela, tudo está invertido.”

Ou seja: por hora, não há qualquer motivo para temer. Essa cruza de Last of Us com Alice através do espelho ainda é um futuro realtivamente distante — e altamente improvável. 

Fonte: abril

Sobre o autor

Avatar de Redação

Redação

Estamos empenhados em estabelecer uma comunidade ativa e solidária que possa impulsionar mudanças positivas na sociedade.