Nos anos de Guerra Fria, a Corrida Espacial manteve os Estados Unidos e a União Soviética inquietos. A linha de chegada era o pouso de astronautas na superfície lunar – a meta foi alcançada em 5 de julho de 1969, pelos americanos. Neil Armstrong, depois de alguns pulos livres de gravidade, proferiu a frase que marca o apogeu da época “um pequeno passo para o homem, um salto gigante para a humanidade”.
Hoje, quase 60 anos depois, o salto parece maior do que nunca – e dessa vez o pulo previsto é entre planetas. Todo o fuzuê teve origem em um discurso durante o período de campanha eleitoral de Donald Trump, que afirmou que os Estados Unidos “liderariam o mundo no espaço e chegariam a Marte antes do final do meu mandato”, disse ele.
Em seu discurso de posse, o presidente voltou a mencionar a chegada do homem no planeta vermelho, dizendo que os astronautas americanos iriam “plantar as estrelas e listras no planeta Marte”.
Ao lado dele, Elon Musk, CEO da SpaceX, fabricante de foguetes, embarcou no plano. Ele, que já tem uma longa história de oferecer cronogramas extremamente otimistas do desenvolvimento de suas naves, disse em 2016 que as primeiras missões não tripuladas da empresa chegariam em Marte em 2022, e os astronautas logo depois estariam no planeta – nada disso aconteceu.
Este ano, reiterou que o seu objetivo principal era mandar suas espaçonaves para o planeta vermelhão.
O papo de levar astronautas para Marte não veio do atual presidente, claro. A Nasa já vem semeando a ideia há alguns anos. Em 2023, a agência sediou a Cúpula Human to Mars (humanos para a Lua), onde expressou que o plano era bastante desafiador, mas que bateriam a meta até 2040.
Jim Reuter, administrador associado da Diretoria de Missão de Tecnologia Espacial (STMD) da Nasa, disse na ocasião que “pode parecer muito, mas é bem pouco tempo para desenvolver as tecnologias que precisamos desenvolver”.
O que nos traz para o cenário atual: será que dá para ir para Marte, 10 anos antes da estimativa da agência, até janeiro de 2029, último mês de mandato de Trump?
Por mais que a empresa de Musk tenha feito bons avanços tecnológicos, ainda estamos longe de conseguir mandar pessoas para Marte. Existem lacunas a serem preenchidas sobre respostas rápidas entre lançamentos e reabastecimento de naves estelares enquanto estiverem em órbita.
A Nasa propõe dois cenários para o lançamento de uma nave tripulada. No primeiro, seria necessário levar em consideração o alinhamento planetário entre a Terra e Marte (que acontece a cada 26 meses). Nele, a missão de ida e volta demoraria 1.000 dias, com mais de 300 dias de permanência nas proximidades de Marte esperando pelo próximo alinhamento.
No segundo cenário, a missão encurta a duração total da viagem para aproximadamente 760 dias (ou menos), mas requer mais energia para alcançá-la e reduz o tempo de permanência nas proximidades de Marte para cerca de 30 a 50 dias.
Porém, a agência explica que “é importante notar que as missões a Marte não se restringem a uma escolha binária entre essas duas opções, pois a duração da missão pode variar em um espaço contínuo”.
De qualquer forma, uma única viagem até o planeta vermelho colocaria cerca de 1,8 a 2 bilhões de km no hodômetro do sistema de transporte e seria diferente de uma viagem em linha reta. Em comparação, a missão Artemis, que foi à Lua em 2022, colocou “apenas” 2,2 milhões de km no hodômetro da nave Orion.
A diferença é grande porque a velocidade e distância entre Lua e Terra variam pouco. O caso é outro entre nosso planeta e Marte: os dois orbitam o Sol a velocidades diferentes; a distância entre os dois planetas muda constantemente; e a energia necessária para viajar entre eles também muda.
Outro obstáculo a ser superado é o sistema de suporte de vida na nave. Ele precisaria reciclar a água, eliminar o dióxido de carbono do ar e realizar outras tarefas para manter a nave habitável por mais de um ano.
Se tudo isso fosse contornado, a volta ainda assim exigiria tecnologias que ainda não foram comprovadas. O reabastecimento da cápsula, por exemplo, teria que ser feito com metano e oxigênio, e a hipótese de extrair esses gases do ar marciano ainda é apenas uma possibilidade. Outra solução seria o envio de naves adicionais com propelentes para a viagem de volta, mas isso aumentaria a complexidade.
No mesmo discurso de 2023, Reuter (aquele que reconheceu que o prazo para chegar em Marte era apertadinho), disse que para ir ao planeta vermelho, tudo depende da Lua.
Um dos exemplos dados é a conclusão da base permanente na Lua, que está ligada ao progresso das missões Artemis.
A Nasa planeja usar a estação espacial Gateway, prevista para 2028, como um centro de simulação para missões a Marte. Nessa estação, astronautas passarão seis meses simulando a viagem, com 30 dias na Lua para ensaiar atividades no planeta vermelho e mais seis meses simulando o retorno à Terra.
O objetivo é estudar como os humanos reagem a condições como a gravidade mínima e testar tecnologias de proteção contra radiação, incluindo as que serão utilizadas no cinturão de radiação de Van Allen.
Porém, Trump nem mencionou a Lua em seu discurso. Mesmo que o primeiro governo do presidente foi dominado por menções de astronautas ao corpo celeste vizinho e a pé do que especialistas chamam de “Nova Corrida Espacial”, com uma disputa triangular entre China, Rússia e Estados Unidos, a nova missão Artemis parece passar por um momento incero em seu futuro.
No Natal, Elon Musk criticou o programa Artemis da Nasa, chamando-o de ineficiente e sugerindo que seria melhor focar diretamente em Marte. Apesar de a SpaceX ter um contrato de 4 bilhões de dólares para construir um módulo de pouso lunar, Musk minimizou a importância da Lua, e escreveu: “Vamos direto para Marte. A Lua é uma distração.
Donald Trump, embora tenha discutido o plano, não especificou como isso afetaria o programa lunar da Nasa (outros projetos também não foram discutidos) ou como seria financiada a ida a Marte, deixando dúvidas sobre os detalhes e as implicações do novo projeto.
Fonte: abril