O folclore popular de que animais podem prever fenômenos da natureza nunca esteve tão forte. Não é de hoje que existem histórias de vacas, ovelhas, sapos, aranhas, pássaros e tantos outros bichos mudando seu comportamento quando terremotos, erupções vulcânicas, tsunamis ou grandes chuvas estão se aproximando. O que é novo, porém, é o início de pesquisas utilizando satélites para monitorar a movimentação dos animais perto da ocorrência de eventos naturais.
No próximo ano, será lançado ao espaço um satélite destinado a acompanhar os movimentos de mamíferos, aves e insetos marcados com transmissores minúsculos. O objetivo não é apenas estudar como os animais reagem a fenômenos iminentes, mas também obter novas informações sobre migração, os impactos da crise climática e a disseminação de doenças entre os animais.
A ideia foi inspirada em estudos anteriores, em que sensores registraram animais estressados e com comportamentos estranhos antes da erupção de vulcões. “Eles sabem de antemão o que está por vir. Não sabemos como eles fazem isso, mas eles fazem”, disse Martin Wikelski, do Instituto Max Planck de Comportamento Animal na Alemanha, líder do novo projeto e autor da pesquisa anterior, para o jornal The Guardian.
Estudos iniciais em animais marcados, mostraram que mudanças comportamentais em cabras na Sicília e cães e ovelhas em Abruzzo, são bons indicadores de desastres naturais, como erupções vulcânicas e terremotos – em Abruzzo, os animais estavam certos em sete de oito grandes terremotos nos últimos 12 anos.
As lendas de animais prevendo o tempo conseguem ser encontradas em textos da Grécia Antiga. Em 373 a.C., o historiador Tucídides escreveu sobre ratos, cobras e cães fugindo de Hélice, cidade que foi atingida por um terremoto logo depois. Em 2004, elefantes correram para altitudes elevadas horas antes de tsunamis atingirem a costa da Indonésia. Em 1906, relatos parecidos foram relatados sobre os cavalos residentes de São Francisco, antes do terremoto ser sentido na cidade. Muitos outros exemplos foram registradas ao longo da história.
O motivo pelo qual os animais se comportam assim é desconhecido. Alguns estudos sugerem que o deslizamento de placas tectônicas durante a preparação para um terremoto, libera íons das rochas para o ar e os animais podem estar reagindo a isso, explicou Wikelski.
O autor também é fundador da Cooperação Internacional para Pesquisa Animal Utilizando o Espaço (Icarus, da sigla em inglês), uma instituição que conta com cientistas de todo o mundo.
A tecnologia de rastreamento animal deu um grande salto com o avanço de dispositivos eletrônicos minúsculos e de baixo custo, tornando possível monitorar uma vasta gama de espécies. Graças a transmissores digitais ultracompactos e baratos, com GPS minúsculos, surgiram etiquetas de rastreamento que pesam apenas alguns gramas.
De acordo com o ecologista Scott Yanco, da Universidade de Michigan, o projeto “transformou nossa capacidade de rastrear a maioria das espécies vertebradas no planeta”, antes algo impossível devido ao peso dos dispositivos de rastreamento.
A tecnologia já está proporcionando descobertas importantes, como no caso dos javalis selvagens. Ao equipar esses animais com as etiquetas, os cientistas observaram como a febre suína africana – uma doença viral altamente contagiosa – se espalha entre os javalis selvagens e os porcos domésticos. A capacidade de identificar surtos de doenças na vida selvagem pode, por exemplo, ajudar no controle da disseminação de epidemias nas fazendas.
Além de monitorar a saúde animal, a tecnologia Icarus também promete fornecer novos dados sobre migrações e os efeitos das mudanças climáticas sobre as populações animais, tanto para grandes mamíferos como para pequenos insetos – o dispositivo foi colocado em prática em algumas mariposas que migram 3.200 km todo ano entre a Europa e África e funcionou.
O início pleno do Icarus foi adiado após a invasão da Ucrânia, o que levou os cientistas a suspenderem a colaboração com os pesquisadores russos. Contudo, para superar essa interrupção, a equipe desenvolveu o CubeSat Icarus, um pequeno satélite que será lançado no próximo ano.
O objetivo final é criar uma rede global de satélites para monitorar os movimentos e a saúde dos animais em todo o mundo, além de investigar como eles reagem a fenômenos naturais, como terremotos.
“Esperamos lançar uma frota de cerca de seis satélites e estabelecer uma rede global de observação que não só acompanhe os movimentos da vida selvagem e a saúde dos animais, mas também revele como as criaturas respondem a fenômenos naturais”, concluiu Wikelski.
Fonte: abril