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Ciência & Saúde

‘A história da gata que transformou a disputa entre cristãos e muçulmanos’

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Quando o terceiro e último edifício da igreja de Santa Sofia terminou de ser construído em 537, o seu enorme domo cobria o maior espaço fechado do mundo. Foram mais de 150 anos de obra, interrompidos por dois grandes incêndios.

Dez mil operários trabalharam na empreitada, que usou recursos de todo o Império Bizantino: mármore verde do Egito, pedras amarelas da Síria e pretas da região do Bósforo.

Em 1453, mais de 900 anos mais tarde, a cidade ao redor da igreja foi conquistada pelo Império Otomano. Era a queda de Constantinopla, que passou a se chamar Istambul. A Igreja de Santa Sofia, que ainda era a maior catedral da Terra, foi transformada em uma mesquita, um templo da fé muçulmana.

Os símbolos cristãos foram retirados ou cobertos e substituídos por elementos islâmicos, e assim ficaram por mais quase meio século. O templo continuou sendo uma mesquita até 1931, quando foi reformado pelo governo da Turquia e reabriu em 1934 como um museu secular (sem religião).

A Hagia Sophia, como é mais conhecida, virou um grande ponto turístico da capital turca, recebendo milhares de visitantes por ano que vêm conhecer os marcos da história e arquitetura da região.

Em 2020, entretanto, uma decisão controversa do Conselho de Estado turco reverteu a decisão de 1934, transformando a Hagia Sophia novamente em uma mesquita.

A lógica da reversão da decisão foi a seguinte: no século 15, durante a conquista da cidade, o sultão Maomé II era o proprietário da Igreja e teria a doado para que se tornasse uma mesquita. Isso tornaria o templo uma waqf: um tipo de doação inalienável respeitada pela lei islâmica. 

A decisão de transformar o museu em mesquita novamente teve opositores em todo o mundo, que acusavam a decisão de populista e irresponsável com o patrimônio cultural secular. De um jeito ou de outro, a coisa se consolidou, e o templo hoje pode ser acessado por fiéis para as cerimônias e orações islâmicas e por visitantes curiosos com a arquitetura. 

Mas a construção não recebe apenas visitantes humanos: a Turquia é conhecida por abrigar uma enorme população de gatos domésticos soltos nas ruas, que são considerados parte da paisagem local, e não apenas animais abandonados.

Só em Istambul, a estimativa é que haja 125 mil bichanos pelas ruas, e a situação não é diferente dentro da Hagia Sophia, que sempre encantou seus visitantes com um grande número de gatinhos vira-latas inquilinos. 

Nenhum desses felinos, porém, chegou aos pés da fama de Gli, a gatinha que viveu durante 16 anos no museu. Especialmente sociável e fofa, ela teve seus primeiros momentos de celebridade em 2009, quando foi fotografada recebendo carinho do então presidente dos EUA, Barack Obama junto com o então primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdoğan, que hoje é presidente do país.

Foto da gata Gil.
(Wikimedia Commons/Reprodução)

Os afagos dos poderosos saíram em jornais de todo o mundo e Gli surfou na onda das redes sociais, se tornando uma celebridade. A gatinha rajada ganhou uma página do Instagram administrada por um guia local, uma página no Tumblr, e centenas de milhares de admiradores ao redor do mundo.

Em 2020, quando a conversão em mesquita ocupava os jornais de todo o mundo, muita gente só tinha uma preocupação em meio à controvérsia política: Gli poderia ficar? A pressão foi tanta na imprensa e nas redes sociais que um porta-voz do presidente teve que declarar publicamente que Gli, assim como todos os outros gatos da região, poderiam permanecer onde estavam.

Foto de Gli The Loyal Cat, Hagia Sophia, Istambul, Turquia.
(Feng Wei Photography/Getty Images)

“Essa gata se tornou muito famosa, e há outros que ainda não se tornaram tão famosos. A gata estará lá, e todos os gatos são bem-vindos em nossas mesquitas”, disse Tayyip Erdogan em entrevista à Reuters.

Quatro meses depois da mudança, Gli morreu aos 16 anos de idade. Além de receber condolências e homenagens de todo o mundo, a gata conquistou um direito histórico: pôde ser enterrada dentro da mesquita. 

Ela se juntou a um cemitério com importantes autoridades e familiares de sultões, cujo túmulo mais velho data de 1205. O último enterro no templo havia sido o do sultão Mustafá I, em 1639. Agora, a lista atualizada de enterros já inclui o nome de Gli, que, aliás, é apropriado para o seu papel histórico: em turco, Gli quer dizer “união de amor”.

Fonte: abril

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