Um buraco negro que tem 17 bilhões de vezes a massa do Sol — e engole diariamente uma massa igual à da nossa estrela — é o objeto mais luminoso já observado no Universo: brilha com a intensidade de 500 trilhões de sóis.
O dito-cujo ainda não tem nome: atende pelo código J0529-4351, as coordenadas que marcam sua posição na abóbada celeste.
A descoberta foi publicada no periódico especializado Nature Astronomy por pesquisadores da universidade Nacional da Austrália e de outras instituições do país dos cangurus. Eles usaram dados do Telescópio Muito Grande (VLT, na sigla em inglês) do Observatório Europeu do Sul (ESO), no Atacama.
Esse ponto de luz não é novidade nos mapas: aparece em levantamentos do céu desde os anos 1980. Por décadas, pensava-se que ele fosse uma estrela bem menor e mais próxima de nós, dentro da Via Láctea. Na verdade, ele está tão distante que sua luz demorou 12 bilhões de anos para alcançar a Terra.
Observações astronômicas têm esse problema: pode ser difícil determinar se estamos diante de algo pequeno e próximo ou grande e distante. O tamanho aparente de um objeto não tem nada a ver com suas dimensões verdadeiras.
É como se os astrônomos estivessem olhando para uma foto de um carrinho Hot Wheels e então descobrissem que, na verdade, o que aparece na imagem é um carro em tamanho real — ele só parecia menor porque estava longe da câmera.
Na verdade, o diâmetro do disco de acreção do J0529-4351 é 15 mil vezes maior do que o tamanho da órbita do planeta Netuno em torno do Sol. Esse é um diâmetro muito maior que o de qualquer estrela, e maior também que o de muitos outros buracos negros supermassivos.
Para entender o quão colossal é isso, considere o seguinte: Netuno fica tão distante da nossa estrela que a luz demora quatro horas para chegar lá. Portanto, a área que perfaz esse buraco negro e sua vizinhança imediata é tão grande que mesmo um raio de luz (a coisa mais rápida do cosmos) leva 60 mil horas, ou quase sete anos, para viajá-lo de ponta a ponta.
Agora, uma explicação rápida e essencial: disco de acreção é nome que se dá a uma grande nuvem de material — composta majoritariamente dos gases mais comuns do Universo, hidrogênio e hélio — que orbita dos buracos negros como a água em torno de um ralo. É desse disco que ele tira seu “alimento”, e é esse disco que emite luz.
O buraco negro em si têm uma atração gravitacional tão intensa que nem a luz consegue escapar de seu horizonte de eventos — o nome do perímetro de não retorno em torno da anomalia. É possível, porém, passar ao largo de um buraco negro ou até se manter em órbita em torno dele. O dito-cujo não suga como um aspirador; você precisa entrar nele.
Essa espiral de gás acelera mais e mais conforme se aproxima do horizonte de eventos. O atrito brutal entre as partículas faz com que elas emitam um bocado de calor, e é isso que permite que um buraco negro brilhe apesar de ser negro: a luz está vindo do material que está girando fora do horizonte de eventos, na região em que ainda dá para escapar.
Na famosa foto do buraco negro M87*, o disco de acreção é a rosquinha laranja:
Buracos negros supermassivos com discos de acreção gigantescos, até onde se sabe, estão sempre localizados no centro de galáxias espirais, e por isso são conhecidos como núcleos galáticos ativos (AGN, na sigla em inglês). Eles funcionam como âncoras gravitacionais para esses aglomerados de estrelas.
J0529-4351 está há 12 bilhões de anos-luz de nós. Se sua luz já teve tempo de chegar aos nossos olhos, é porque esse buraco negro se formou no mínimo 12 bilhões de anos atrás. Como o Universo em si tem 13,8 bilhões de anos, conclui-se que esse gigante se formou ainda na infância do cosmos.
Seria impossível um buraco negro ficar tão grande tão rápido se ele tivesse nascido da maneira mais comum, que é a morte de uma estrela de alta massa. Astros moribundos dão origem a buracos negros com apenas algumas dezenas de massas solares, e não bilhões.
Por isso, especula-se que os buracos negros supermassivos mais antigos tenham se formado diretamente do colapso gravitacional de nuvens de hidrogênio e hélio, sem passar antes pela fase de estrela. Moral da história? Você não gostaria de estar vivo nessa época. Agradeça a relativa paz da Via Láctea.
Fonte: abril