Em 1973, os psicólogos Herbert Simon e William Chase escreveram um artigo científico sobre xadrez. “Nós poderíamos estimar, aproximadamente, que um grão-mestre passou talvez de 10 mil a 50 mil horas olhando para posições no tabuleiro.” Vinte anos depois, o psicólogo sueco Anders Ericsson realizou um estudo com violinistas profissionais. E concluiu que os melhores dentre eles haviam praticado por mais de 10 mil horas até completarem 20 anos.
Essas pesquisas aparecem no best-seller Fora de série (2008), do jornalista britânico Malcolm Gladwell. Ao longo de todo o livro, ele defende a “regra das 10 mil horas” como segredo do sucesso – um de seus exemplos são os Beatles, que teriam passado esse tempo todo tocando em casas noturnas de Hamburgo, na Alemanha, antes de serem famosos.
Não há nada de errado em se dedicar assiduamente à sua profissão ou a seus hobbies, é claro. E essa dedicação definitivamente tornará os dedicados melhores no que se propõem a fazer. O problema é que o número – que parte de uma impressão anedótica de Gladwell, e não de uma investigação científica embasada – passou a ser tratado como uma fórmula infalível de sucesso, que desconsidera outras variáveis por trás do aprendizado.
Uma revisão sistemática (1) de 2016 analisou 88 pesquisas publicadas sobre a prática de diversas atividades, e descobriu que o tempo dedicado a treiná-las e aperfeiçoá-las era responsável por uma diferença de habilidade de apenas 26% para jogos como xadrez, de 21% para músicos, de 18% para esportistas e de 4% para estudantes de ensino básico. Ou seja: há uma relação entre sua destreza e o tempo bruto que você dedicou a obtê-la, mas ela é muito menor do que a regra das 10 mil horas dá a entender.
Um outro estudo (2), de 2019, analisou 39 violinistas de acordo com suas rotinas de prática. O que os pesquisadores descobriram é que a prática ajudava a ir de medíocre para ótimo – mas, de ótimo para excelente, as coisas ficavam mais complicadas.
Tanto os bons quanto os melhores tinham uma média de 11 mil horas de prática. Na hora de passar para o alto escalão, outros fatores tinham mais peso. A idade de envolvimento com a atividade – geralmente, quanto mais cedo, melhor –, algum grau de propensão inata à tarefa, bons professores e boas oportunidades são tão importantes quanto a dedicação em estado bruto. O próprio Gladwell reconhece um pouco disso no livro – ao admitir que poder praticar qualquer coisa por 10 mil horas já é um baita privilégio social, e não uma questão de meritocracia.
Fontes artigos (1) “Deliberate Practice and Performance in Music, Games, Sports, Education, and Professions: A Meta-Analysis”; (2) “The role of deliberate practice in expert performance: revisiting Ericsson, Krampe & Tesch-Römer (1993)”.
Fonte: abril