“Os dois primos dirigiram-se ao pomar aos pinotes. Era lá, debaixo das velhas árvores que trocavam confidências e planejavam as grandes aventuras pelo mundo das maravilhas”. Esta cena foi descrita por Monteiro Lobato ao contar as peripécias de Narizinho e Pedrinho no livro Reinações de Narizinho, um clássico da literatura infantil brasileira. A obra retrata uma época na qual as crianças tinham tempo livre para soltar a imaginação, criar suas próprias brincadeiras e explorar o mundo.
Hoje, a rotina é cheia de compromissos e dificilmente sobra tempo livre. “As atividades extracurriculares podem oportunizar experiências e aprendizagens muito ricas para as crianças. Além disso, favorecem a socialização, pois noções de limite, respeito e empatia são abordados com frequência”, explica Ana Elizabeth Luz Guerra, psicóloga, mestre em psicomotricidade relacional e diretora do Centro Internacional de Análise Relacional (CIAR). “No entanto, o excesso de compromissos pode gerar estresse, ansiedade, depressão e outros problemas como a puberdade precoce, por exemplo”.
A especialista destaca que outra consequência do excesso de tarefas é a ausência de um momento para interpretar e absorver a grande quantidade de informações que as crianças recebem diariamente. Todas as pessoas precisam de um tempo para processar as situações vividas e fazer atividades por puro prazer. Por isso, o tédio é importante para a saúde emocional, para descansar e desligar o pensamento das obrigações. E na infância, essa questão é ainda mais urgente.
É preciso brincar pelo simples prazer de brincar, ter experiências espontâneas, compartilhar suas descobertas ou simplesmente não fazer nada. É nesse momento que as crianças “elaboram assuntos do passado, do presente e ainda planejam o futuro”, explica Ana Elizabeth. É por meio das brincadeiras que a criança conhece e interage com o mundo de forma prática e ainda integra os conhecimentos adquiridos. “Sem esse momento precioso elas podem adoecer, pois não têm um tempo para si, dedicado ao tédio, ao não fazer nada e, ao mesmo tempo, fazer tudo”, afirma.
A psicóloga ainda cita outros benefícios do tédio e do brincar pelo brincar:
– Amplia as competências motoras, cognitivas e afetivas
– A criança aprende sobre si mesma e sobre o outro
– Possibilita o conhecimento do mundo por meio de experiências lúdicas e corporais
– Favorece a imaginação, a interpretação e o aprendizado
– Exercita a capacidade de decidir e se expressar
– Brincar sozinho fortalece o livre arbítrio
– Brincar com o outro ensina a lidar com conflitos e promove a socialização
– As brincadeiras espontâneas, sem regras, permitem um tempo de liberdade e de escolha para ser o que se deseja
Sem tédio, os estímulos eletrônicos causam compulsão e angústia
Na era digital, o tédio é visto como vilão. Brinquedos eletrônicos, celulares, tablets e videogames são usados como artifício para evitar que a criança fique sem fazer nada. Esse bombardeio sensorial gera uma compulsão pelo mundo virtual e a necessidade de estar o tempo todo conectado, afastando-a do brincar e da realidade física. Isso provoca angústia e impede que ela encontre caminhos criativos para construir e percorrer.
“Brincar com os amigos implica um confronto com a realidade e investimento no social, o que é bem diferente da experiência virtual. Sentado no sofá, o indivíduo pode fazer tudo com um dedo só. Na brincadeira, ele precisa de todo o corpo, da emoção, da cognição e da motricidade para estar com os outros”, esclarece.
Brincar com os filhos deve ser prazeroso
Na ânsia de garantir um futuro promissor para os filhos, os pais acabam exagerando na quantidade de atividades extracurriculares. O excesso de tarefas ainda pode revelar a falta de tempo em família. “Ocupando-os com uma agenda cheia, os pais preenchem um espaço que poderia ser dedicado à escuta, à resolução de conflitos, a um tempo para buscar e encontrar interesses em comum e, simplesmente, brincar”, ressalta Ana Elizabeth.
Para a especialista, os pais precisam encontrar prazer ao passar um tempo de qualidade com os filhos e participar das brincadeiras. A psicóloga orienta deixar as preocupações de lado e assumir uma postura não pedagógica para compartilhar a brincadeira e aproveitar “um tempo e um espaço riquíssimo na relação entre pais e filhos. É simplesmente viver o prazer de brincar junto”, finaliza.
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Fonte: semprefamilia.com.br