Nos últimos dois anos, a rotina de muitos de nós mudou completamente. Em vez de caminhar, dirigir, pedalar ou pegar um ônibus para ir ao trabalho todos os dias, permanecendo lá a maior parte do dia, agora a nossa vida profissional acontece principalmente em casa, em regime de home office ou teletrabalho.
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Para quem tinha dificuldade de sociabilização, passar o dia sozinho em casa, ou restrito à convivência com o pequeno núcleo familiar, tornou tudo ainda mais complicado, mesmo que a necessidade de isolamento já tenha ficado para trás.
“Pessoas mais retraídas socialmente percebem inicialmente um
benefício no trabalho remoto, por não precisar participar de interações sociais
e interpessoais que o trabalho exige, porém essa situação logo pode passar a
ser um agravante, limitando o possível desenvolvimento e fortalecimento de
habilidades sociais”, comenta Ana Laura Brauner, psicóloga do Hospital
Marcelino Champagnat, que lembra ainda que o home office muitas vezes implica
uma maior sobrecarga de trabalho.
A também psicóloga Karina Orso atesta esse cenário: “Depois
da pandemia, várias pessoas que já tinham problema com a timidez me disseram
que essa situação piorou. Também houve casos de pessoas que não tinham esse
tipo de problema, e agora têm. É que quando não estamos em contato com pessoas,
perdemos a prática”. Segundo Karina, a sociabilização sob esse aspecto funciona
como aprender um idioma: sem praticar, perdemos a habilidade anteriormente
conquistada.
Introspecção e timidez são coisas diferentes
Mas, afinal, uma pessoa mais tímida não é simplesmente alguém que prefere ficar sozinha? E, se sim, o trabalho remoto não é de fato o cenário dos sonhos? Depende.
“A gente nasceu pra viver em sociedade. Mesmo as pessoas mais quietinhas, mais introspectivas, precisam estar com outras pessoas em alguns momentos. Não é ruim se sentir bem quando se está sozinho, mas se isolar e não ter com quem contar é um grande problema”, explica Karina, apontando que essa dificuldade pode afetar a autoestima e também o processo de amadurecimento como pessoa que acontece no nosso relacionar-se.
Nesse sentido, uma coisa é o fato de que cada um de nós tem uma disposição diferente a se relacionar, outra é ter uma verdadeira dificuldade de sociabilização. Pode ser que, quando você sai com amigos ou colegas, a sua energia se esgote mais cedo, e você prefira voltar para casa antes da maioria das pessoas – e tudo bem. “Tem pessoas que gostam de estar na própria companhia, mas quando querem estar com os outros conseguem sociabilizar. Isso é diferente da timidez, que é quando a pessoa gostaria de conversar, mas tem vergonha, se sente insegura”, distingue a psicóloga.
“Uma pessoa tímida, por isso, evita situações de exposição.
Mas trabalhando no presencial ela não tem muita saída: ela tem que trabalhar e
vai ter que se expor, vai ter que se colocar diante de outras pessoas. Muita
gente supera várias pontos da timidez por causa disso. No home office, se ela
pode, ela continua se esquivando. E aí acaba que o problema se intensifica”,
comenta Karina.
Nadar contra a corrente
Dado esse contexto, pessoas com dificuldade de sociabilização que migraram para o trabalho remoto precisam arquitetar formas de encarar o desafio de se expor, sob pena de consolidar ainda mais os seus bloqueios. “Elas podem buscar outras formas de interações sociais, para fortalecer essa habilidade pessoal, como encontros com amigos e familiares e atividades em grupo, como exercícios físicos e eventos sociais”, orienta Ana Laura, que sublinha a importância disso para o manejo do estresse, da ansiedade e de sintomas depressivos.
A psicóloga afirma que esse movimento intencionado de sociabilização é importante tanto dentro da própria esfera do trabalho quanto fora. “A falta de interação com outros membros da equipe de trabalho pode resultar na redução do engajamento do profissional no trabalho e nos propósitos da empresa, impactando na produtividade e na motivação com toda a equipe”, diz Ana Laura.
Por outro lado, relacionar-se com pessoas de fora desse ambiente também ajuda. “Isso proporciona outros tipos de vínculos e outros assuntos, o que pode servir como válvula de escape para manejar o estresse da alta demanda de trabalho”, completa ela.
Já Karina atenta para o fato de que o trabalho remoto pode
até mesmo ser usado a favor nesse sentido. “Só porque você trabalha no home office
não significa que precise ser uma pessoa solitária. Você pode ter muitas
conexões e conhecer muito mais gente no mundo inteiro, mas é preciso se colocar
em movimento, buscar conhecer pessoas novas, superar o medo de que elas não
queiram conversar e vencer a insegurança de se engajar em novas formas de
comunicação”, finaliza a psicóloga.
Fonte: semprefamilia.com.br