Tristeza, ansiedade, confusão, pensamentos recorrentes sobre o passado e medo do futuro. Esses são alguns dos sentimentos que uma pessoa, ao viver o luto, pode enfrentar, inclusive com alterações no sono e no apetite.
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Além de uma pessoa querida, a perda de um emprego, um grande amor, bens materiais ou qualquer outra figura de valor inestimável para alguém, e que deixou de estar presente na sua vida, salvo por lembranças, também pode ser considerado luto.
E ainda que seja universal, já que todos nós o experimentaremos em algum momento da vida, a psiquiatra Sarah Rückl explica que a reação natural à perda é vivida de forma única e individual. E isso se dá por meio de um processo com fases distintas, podendo ser influenciada pela cultura, religião e etnia.
Logo após o choque pela perda, a dor é enfrentada, primeiramente, com uma dificuldade absurda de aceitação, em que muitas vezes há culpabilização própria ou do outro. Este é um momento em que muitos buscam negociar internamente alguma forma para retornarem ao status quo, ensina a psicóloga clínica Michele Maba. “E, após reconhecer a perda, há a vivência da tristeza pura, para que só depois a pessoa volte a caminhar para o último elemento do processo, que é a aceitação e ajuste do cotidiano ao novo cenário”, acrescenta ela.
A aceitação, segundo Michele, acontece de forma natural, conforme as circunstâncias de vida e resiliência do enlutado, mas também pode ser desenvolvida de forma programada pela pessoa. “Se há perdas mal resolvidas, a pessoa volta a acionar antigas dores, somatizando o sofrimento. Por isso, a aceitação acontece no momento que o indivíduo consegue viver mesmo da forma que não gostaria, lidando com aquilo que difere do seu desejo, muitas vezes com a ajuda da terapia”, diz. “Falar abertamente sobre a pessoa falecida, seu valor afetivo e a vivência da perda é essencial para este processo”, destaca a psiquiatra.
E quando o luto se prolonga?
Ocorrendo de forma natural, já que não há um número determinado de dias ou fases sequenciais que a pessoa encare, o processo de luto exige paciência, já que costuma durar, na grande maioria das vezes, por volta de seis meses, sem que haja perda significativo na vida social, laboral e acadêmica.
Contudo, Sarah alerta que cerca de 10 a 15% da população pode desenvolver um luto prolongado. E, neste caso, há prejuízo importante em todas as esferas. “Quando não há integração da perda na vida cotidiana do indivíduo e este apresenta preocupações com a pessoa falecida e intensa reação emocional, usualmente caracterizada por tristeza intensa, culpa, raiva, negação do ocorrido, dificuldade em aceitar a morte, sentimento de ter perdido uma parte sua, apatia e incapacidade de experimentar qualquer afeto positivo, o luto deixa de ser um processo transitório e se transforma em patologia”, alerta a psiquiatra.
É importante destacar que o luto em si não é uma patologia, esclarece Michele. “Ele é um estado em que o indivíduo se encontra devido a uma condição imposta pela vida. Mas, muitas vezes, quando o luto traz consequências que adoecem a pessoa, entendemos que se tornou um luto patológico.
Assim, se
transcorridos anos após a perda de um ente querido, acrescido de sintomas
depressivos, através dos quais a pessoa não consegue retomar a vida, já que se preocupa
incessantemente com as circunstâncias
da morte do ente querido ou preserva tudo o que era da pessoa, exatamente como era antes da morte, é preciso acender um sinal de
alerta, orientam as especialistas.
É muito
comum, segundo Michele, que nos primeiros meses ou no primeiro ano após a
perda, a vida de fato não tenha graça. Mas ao passar do tempo, se o indivíduo
achar que a vida nunca vai voltar ao estado anterior ou entender seu estado de
espírito como permanente e não transitório é sinal de que aquele luto o
adoeceu.
Nesse momento, a bússola para a busca de tratamento é o grau de sofrimento individual. “Quando o sofrimento é muito intenso, o indivíduo para a vida para sofrer e, como consequência, terá prejuízos em diversas áreas da vida, já que vive em isolamento social, com desconfiança dos outros, inclusive perdendo o sentido da própria vida”, exemplifica Sarah, que é membro da Associação Paranaense de Psiquiatria.
Ajuda profissional é fundamental para voltar à vida cotidiana
A pessoa está
tão absorta na sua tristeza, que tem a confirmação gerada pela própria mente de
que a dor é permanente, gerando a profecia autorrealizada. “Ela deixa de
realizar pequenos enfrentamentos para retornar à vida cotidiana, como sair com
os amigos, ir a uma festa, ou até mesmo se permitir ouvir uma música ou
aproveitar algum momento porque tem certeza de que a dor é eterna, então não
contribui para se desvincular do sofrimento”, conta a psicóloga.
Além
disso, a psiquiatra destaca que as pessoas que apresentam luto prolongado têm
risco aumentado de desenvolverem doenças
autoimunes, doenças cardiovasculares, transtornos por uso de substâncias e de intenção suicida.
“Acreditar
que ‘o cão que ladra não morde’ é uma inverdade. Grandes dados científicos
demonstram que, em larga escala, as pessoas costumam pedir ajuda e socorro de
alguma forma, só para depois realizar alguma tentativa, bem ou malsucedida, de
tirar a própria vida.
O luto
não necessariamente vai exigir um tratamento, já que não é uma patologia,
lembra Michele, mas ele pode ser acompanhado por ser um estado de vida tão
delicado. Por isso, o diagnóstico, que é clínico, deve ser procurado tão logo
se perceba um comportamento disfuncional do enlutado, para que se busque a
melhor ferramenta de enfrentamento.
Nesses casos, a
psicoterapia é uma ferramenta eficaz para superação do luto prolongado. “É importante validar o sofrimento
relacionado à perda, permitir e incentivar que o indivíduo sinta a sua dor. Além disso,
é essencial normalizar reações de preocupação com o falecido, raiva, culpa e mudanças no comportamento padrão
do enlutado”, orienta Sarah, que acredita que o principal motivador
para a mudança e aceitação da morte é falar explicitamente do falecido, seu valor afetivo e a vivência
individual da perda.
“A dor não é eliminada com palavras e
racionalizações como: “vai passar”. Este tipo de conduta pode trazer
alívio para quem fala,
mas não para quem sofre
com a perda”, conclui a
psiquiatra.
Fonte: semprefamilia.com.br