A importância do georreferenciamento na regularização fundiária é o tema do último episódio da quarta temporada do Agronomia Sustentável. A equipe foi até à Universidade Federal da Bahia (UFBA), que mantém desde 2010 a graduação de engenharia em agrimensura e cartografia.
A especialista em geoprocessamento, Suzana Daniela Silva, conta que antes de o engenheiro civil começar a fazer o cálculo estrutural para a construção de uma obra, é necessário realizar o levantamento topográfico da região. “Então, se avalia os processos relacionados ao terreno e, a partir do levantamento feito pelo agrimensor e pelo cartógrafo, se faz todo o cálculo que vai dar suporte à construção da obra”, explica.
De acordo com ela, o trabalho desses profissionais é bastante próximo das pessoas: os mapas em aplicativos de celulares e GPS são produzidos por agrimensores e cartógrafos. “Somos a base de toda a medição e reconhecimento do território. Essa é a nossa contribuição para a sociedade e que acaba sendo a base para todas as outras engenharias”, completa.
As medições precisas de georreferenciamento são fornecidas por equipamentos avançados, base para o desenvolvimento dos sistemas de cadastro territorial, principal atividade do engenheiro dessa especialidade.
Certificação de imóvel rural
Por muitos anos, o procedimento para requerer a certificação de um imóvel rural era analógico. A lei exigia uma grande quantidade de documentos. “Essa dificuldade foi superada em 2009, quando é criado o Sigef [Sistema de Gestão Fundiária] e o Incra já certificou quase um milhão de imóveis rurais, o equivalente a 252 milhões de hectares, respondendo a quase 30% da superfície territorial brasileira”, conta o engenheiro cartográfico Edaldo Gomes.
A lei 10.267, de 2001, foi primordial ao setor, transformando a concepção que a sociedade brasileira tem do ordenamento territorial no meio rural. “Hoje, se tem uma norma que permite com que todos os imóveis rurais possam ser especializados dentro de um padrão adequado e eliminar conflitos sobre posições de imóveis e mesmo erros que possam ocorrer, como matrículas sem imóvel, por exemplo”, informa o engenheiro agrimensor Régis Bueno.
De acordo com a professora de engenharia cartográfica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Andrea Carneiro, a lei também trouxe mais valorização ao profissional. “Antes não havia essa exigência específica do profissional que teria a capacidade técnica de fazer esse tipo de trabalho, gerando busca por uma melhor capacitação”, considera.
O agrimensor e os avanços contra a grilagem
A descrição imobiliária do imóvel rural no Brasil era considerada muito precária e frágil. Assim, o proprietário de terra ficava sem garantias quanto à posse, sujeito a grilagem e ocupações irregulares. No entanto, há 20 anos, os profissionais da agrimensura mostram a importância do georreferenciamento para a garantia do direito à propriedade.
“No campo, ele [o agrimensor] identifica os limites da propriedade, gera coordenadas para aqueles limites e depois faz esse processamento de dados e fecha em peças técnicas que serão regularizadas, primeiramente aprovadas pelo Incra e depois encaminhadas ao cartório para, efetivamente, se fazer a regularização do imóvel”, explica a engenheira agrimensora Márcia Virgínia Santos.
Identificação de fraudes
De acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), até o fim de 2020, mais de 18 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas na Amazônia foram declarados ilegalmente como imóveis particulares no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar).
“Atualmente na Bahia temos cerca de 1,2 milhão de hectares em disputa envolvendo suspeitas de grilagem de terras. Hoje, qualquer imóvel rural que venha passar por esse processo está vinculado a um CPF ou CNPJ e há um responsável técnico, ou seja, fica mais fácil identificar e localizar qualquer tentativa de fraude ou irregularidade”, afirma o analista do Incra-BA, Miguel Pedro Neto.
Papel do agrimensor nas contas de uma fazenda
Falando em Bahia, em 2017 foi realizado um mapeamento que definiu a área, posição geográfica através de métodos de levantamento topográfico, definição de limites e características em um imóvel rural público que hoje pertence à UFBA. A planta de georreferenciamento da propriedade foi elaborada pelos estudantes da instituição.
Segundo o diretor da Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia, Rodrigo Bittencourt, as fazendas-escolas da universidade estão em processo de regularização fundiária. “o trabalho de georreferenciamento, de demarcação dos marcos legais e dos pontos são etapas necessárias e obrigatórias para o processo de certificação e regularização fundiária”, conta.
Para ele, os resultados obtidos com o georreferenciamento são muito palpáveis. “Quando a gente trabalha às escuras, sem saber o tamanho das nossas áreas com precisão, os cálculos ficam prejudicados e [não dá para saber] o quanto vamos comprar de adubo para fertilizar aquele solo, quantidade de grãos, de lotação animal”.
Bittencourt esclarece que, sem o dimensionamento adequado das áreas, o produtor pode inserir uma lotação animal muito acima da ideal, levando à degradação da pastagem, fazendo com que a eficiência do pasto reduza de forma significativa.
Exemplo de caso
O produtor Rafael Cerqueira cultiva coco verde na região litorânea do norte da Bahia, mas sua principal atividade é a criação e reprodução de equinos. Quando ele precisou vender parte da terra, precisou regularizar a documentação do imóvel.
“O primeiro resultado é o conforto de saber que a nossa fazenda tem um georreferenciamento com alta precisão. O segundo é, além dela estar certificada, é conseguir cumprir todas as exigências que o cartório nos impôs no momento em que precisamos fazer algum tipo de desmebramento e também saber que isso agrega muito valor à propriedade. Qualquer momento em que persarmos em comercializar uma área, um possível comprador vai enxergar com outros olhos ao saber que temos um nível de documentação tão precisa e atual”, detalha.
Desta forma, foi possível identificar com precisão os 20% de reserva legal da propriedade, como a lei exige. “A partir do momento que conseguimos identificar a nossa área como um todo, a gente também pôde definir o melhor local para cadastrar como reserva legal”, conta Cerqueira.
Lei trouxe segurança aos investidores
A lei do georreferenciamento é importante ao setor produtivo, ao mercado de terras, bem como aos investimentos para geração de energia renovável. “Tudo isso traz para o investidor a certeza de que ele está negociando com o proprietário de uma terra que não existe apenas no papel, algo que era muito comum até o advento da lei”, conta o engenheiro cartográfico Edaldo Gomes.
Segundo ele, muitos bancos, quando iam executar a dívida de um empréstimo, descobriam que o imóvel dado em garantia inexistia. “Obviamente que isso repercutia em toda a cadeia de crédito, com o aumento de taxas bancárias que afetava toda a sociedade, especialmente na produção de alimentos”, esclarece. “Com o rigor que a nova legislação impõe, torna impossível que essa tática ilícita continue a ser adotada à medida que a certificação prévia do imóvel dado como garantia é uma exigência adotada pelo sistema bancário”, completa.
O Brasil conta, hoje, com cerca de um milhão de imóveis rurais georreferenciados e certificados.
O Agronomia Sustentável é uma realização do Conselho Federal e Regional de Engenharia e Agronomia (Confea e Crea), Mútua e Canal Rural. Os episódios vão ao ar na TV aos sábados, às 9h, com reprise no domingo, às 7h30 (horários de Brasília), mas também podem ser conferidos na página do site.
Fonte: canalrural