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Juiz limita processos judiciais e condena empresa a indenizar advogado com Síndrome de Burnout em R$ 200 mil

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Via @jotaflash | Os Correios foram condenados pelo juiz José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva, da 6ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto, a indenizar em R$ 200 mil por danos morais um advogado interno que chegou a ter de lidar com mais de 2 mil processos e desenvolveu Síndrome de Burnout. Além disso, de acordo com a sentença, ao distribuir processos entre os advogados de seu quadro de empregados, os Correios não poderão extrapolar o número de 500 casos enviados ao autor da ação — o que já era garantido ao profissional desde 2021 por meio de uma liminar.
Para completar, terá de pagar uma pensão temporária no valor do salário do trabalhador, correspondente aos meses em que ele ficou afastado com Burnout, como forma de indenização de lucros cessantes.

O advogado Muriel Carvalho Garcia Leal trabalha nos Correios desde 2012, época em que afirma não haver excesso de trabalho. Em 2013, por exemplo, dividia um estoque de 700 processos com outro advogado. Mas a partir de 2017, quando oito colegas pediram demissão por questões remuneratórias, o quadro começou a mudar.

No mesmo ano, o então superintendente executivo jurídico dos Correios, Gustavo Esperança Vieira, escreveu em ofício endereçado à Vice-Presidência de Gestão de Pessoas que “a área jurídica perdeu mais de 100 (cem) empregados desde o ano de 2015 até maio de 2017, além dos empregados desligados por intermédio do Plano de Desligamento Incentivado PDI/2017 (aproximadamente 34 empregados entre advogados, calculistas e administrativo)”. Já o número de processos, só aumentou.

No mesmo ofício, Vieira afirmava que “as perspectivas são extremamente preocupantes, sendo que, em curto espaço de tempo, se não houver atitudes urgentes para reverter o cenário atual (concurso público), existe a possibilidade real de a área jurídica colapsar”.

Como o quadro não mudou e havia advogados doentes ou de férias, de 2020 em diante o profissional passou a cuidar de praticamente 1.000 processos, o que levou ao afastamento do trabalho em 2021 por ter desenvolvido Síndrome de Burnout. E, no ano seguinte, em 2022, já de volta ao trabalho, teve de lidar com 2.000 processos durante duas semanas. Para completar, desde abril de 2023, a estatal passou distribuir ações de várias áreas distintas do Direito para todos os advogados — não mais apenas de suas especialidades.

Uma testemunha apresentada pelos Correios no processo confirmou que “nos últimos três anos pelo menos metade da equipe tem algum tipo de afastamento por doença”.

“O Burnout avassala a cabeça da pessoa. Eu me senti e fiquei incapacitado. Um advogado da maior estatal do Brasil adoecer por excesso de trabalho e não ter o respaldo da empresa, isso me causou sérios danos. Eu tenho uma luta constante”, conta Leal. “Ainda frequento psiquiatra e tomo remédio todo dia desde o meu afastamento.”

Para o juiz José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva, “além de não resolver o problema crônico de seus advogados trabalhistas, a ré aumentou o sofrimento destes, os quais passaram a ter que cuidar também de processos de natureza cível”, de forma que “o sofrimento dos advogados dos Correios, que era pontual, agora se tornou generalizado”.

O magistrado também verificou que a “carga de trabalho dos advogados da área trabalhista dos Correios deveria ser inferior a 500 processos na carteira de cada advogado, como sempre foi”. E que para cumprir a liminar e não repassar mais de 500 processos aos profissional, todos os outros nove advogados da equipe cuidavam de no mínimo 700 processos — chegando até a 835 casos, o que representa um “aumento descomunal de 60% na carga de trabalho dos advogados”. Para o magistrado, esse cenário é “desumano” e “adoecedor”.

Por tudo isso, o magistrado considerou que o advogado é “portador de Síndrome de Burnout porque as causas primordiais de seu esgotamento psíquico estão no seu trabalho desempenhado nos Correios”, muito embora o perito médico tenha concluído que o quadro clínico era de transtorno misto ansioso e depressivo, e que “o trabalho atuou como concausa de grau III, de forma alta/intensa, para o agravamento desse transtorno psíquico”.

O juiz José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva afirma que o excesso de trabalho é um gatilho determinante para várias doenças mentais, enquanto no caso da Síndrome de Burnout fica claro que a doença é relacionada apenas ao trabalho. “A pessoa tem até uma vida tranquila, mas o trabalho consome ela, por causa das metas, por exemplo. Você deixa de trabalhar com prazer, é só quantidade, números, números e mais números”, diz o juiz.

“A meta faz com que a pessoa acelere demais e isso desgasta porque você tem que fazer muito mais no mesmo tempo. Mesmo dentro de uma carga horária limitada, sem fazer hora-extra, se a pessoa tem que produzir o dobro, ela está trabalhando o dobro. Esse aspecto qualitativo é crucial”, afirma o magistrado, que diz esperar que decisão impacte outros advogados dos Correios e sirva como paradigma para outras empresas.

Na sentença, Silva exortou que os Correios efetuem “a reposição da força de trabalho de forma proporcional à quantidade de (seus) processos, a fim de manter a saúde e a integridade dos seus empregados” e oficiou o Ministério Público do Trabalho (MPT) para as providências cabíveis. Um inquérito civil já tramita no órgão sobre o assunto desde 2022.

Procurada, a advogada Danila Borges, do Nogueira e Borges Sociedade de Advogados, que representa o profissional dos Correios, afirma que a decisão é importante pela mensagem que passa à empresa pública. “Essa é a primeira condenação, de um caso que não é isolado. Atendo outros 8 advogados dos Correios com os mesmos problemas de saúde diagnosticados. A sentença chama atenção para um sistema de gestão inadequado do ambiente psicossocial e que demanda regulamentação”, avalia a advogada.

“A advocacia por si só é estressante e o trabalho não é só peticionar. O advogado faz audiência, precisa levantar informações para tocar o processo, convocar preposto, fazer audiência, fazer parecer, ir no fórum despachar… Como uma pessoa pode fazer tudo isso cuidando de 2 mil processos? O adoecimento pelo excesso de trabalho, o Burnout, é a consequência. E depois, o trabalhador ainda sofre assédio por ter adoecido”, avalia Borges.

A advogada argumenta que há regulamentação para o tamanho da bolsa do carteiro, para os decibéis no ambiente de trabalho, mas não há norma regulamentadora que trate da saúde psicossocial do trabalhador. “Há um adoecimento estrutural dos trabalhadores nas empresas públicas, o que reforça a necessidade de regulamentação”, afirma a profissional.

“O excesso de trabalho nos Correios leva a uma perda de prazos constante, que gera prejuízo financeiro para os Correios e consequentemente para a população”, diz Leal. “Hoje não vejo nenhum sinal de mudança na empresa”, avalia o advogado.

De acordo com Borges, a liminar de manter um estoque máximo de 500 processos para o advogado não está sendo cumprida, de forma que ela irá requerer a execução da multa, que avalia já estar em mais de R$ 1,3 milhão.

Procurados via assessoria de imprensa, os Correios se limitaram a dizer que o caso está sendo tratado em âmbito judicial.

O processo tramita no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT15) com o número 0010405-39.2022.5.15.0113.

Kalleo Coura – Editor executivo em São Paulo. Responsável pela coordenação da cobertura do JOTA. Antes, trabalhou por oito anos na revista VEJA, onde foi repórter de Brasil, correspondente na Amazônia, baseado em Belém, e no Nordeste, com escritório no Recife. Email: kalleo.coura@jota.info
Fonte: @jotaflash

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