Acidentalmente, cientistas descobriram uma habilidade surpreendente em uma espécie bizarra das profundezas do oceano: quando feridos, dois indivíduos da espécie Mnemiopsis leidyi, animais parecidos com águas-vivas, conseguem se fundir um com o outro. É a primeira vez que essa habilidade é observada em qualquer animal.
A descoberta foi realmente por acaso: todos os dias, o biólogo Kei Jokura andava até a beira do mar na sua cidade em Massachusetts, nos EUA, e pegava, com uma rede, um punhado desses bichos para sua pesquisa sobre como esse animal se orienta utilizando a luz. Entretanto, em uma das ocasiões ele notou que um dos espécimes era duas vezes maior do que os outros. Em uma inspeção mais detalhada, notou que também havia duas bocas naquele grandalhão.
Intrigado, ele dividiu a curiosidade com os colegas de laboratório e eles bolaram um experimento: dois espécimes de carambola-do-mar foram feridos e colocados lado a lado em um tanque. Em nove das dez tentativas, os dois animais se fundiram, formando uma entidade única.
A fusão leva apenas duas horas e, depois dela, os dois bichos se comportam como um: nadam juntos e coordenam reações. O alimento entra pela boca de um e vai parar no sistema digestivo do outro – embora seja secretado separadamente. O mais intrigante é que os sistemas nervosos dos dois organismos se sincronizam, respondendo a estímulos como se fossem um único ser. Veja:
Por mais que as criaturas fundidas funcionem como uma só, elas não são um único organismo porque têm DNA separado e não podem passar sua “morfologia exclusiva” para a próxima geração, disse Jokura.
“No entanto, ao observar os indivíduos fundidos nadando, eles realmente parecem estar funcionando como um único organismo, portanto, não seria irracional pensar neles dessa forma”, disse ele. Os pesquisadores frequentemente se referem aos indivíduos fundidos como “entidades únicas” no novo artigo, que foi publicado na última segunda-feira (7) na revista Current Biology.
O mecanismo de fusão parece ser semelhante ao utilizado por esses animais para cicatrizarem tecidos – eles também são capazes de regenerar uma metade perdida em duas horas. Nesse sentido, o autor especula que a fusão pode derivar de uma incapacidade do animal diferenciar o que é si próprio e o que é outro animal.
A Mnemiopsis leidyi não tem um nome popular em português – às vezes, os animais são chamados de carambolas-do-mar ou de águas-vivas-de-pente, embora não sejam águas-vivas por definição. Eles fazem parte do filo dos ctenóforos, estranhos animais gelatinosos que se movem pelo mar impulsionados por pequenos pelos chamados cílios. O grupo se originou há aproximadamente 540 milhões de anos.
Entre alguns cientistas, esses animais também levam a fama de “os alienígenas do mar”. São vários motivos, como a presença de dois ânus, um deles temporário, que só aparece quando há acúmulo de impurezas no corpo do animal.
Outra razão é que eles também têm um sistema nervoso completamente diferente de qualquer outro. Em geral, as comunicações cerebrais dos animais (incluindo humanos) são feitas por meio de sinapses, que são lacunas entre os neurônios, as células cerebrais. Aí os neurônios enviam neurotransmissores, mensageiros que viajam entre essas lacunas.
Já na rede nervosa dos ctenóforos, as células estão fundidas e suas membranas estão conectadas, de modo que o caminho de um corpo celular para outro é contínuo, estruturado. Esse mecanismo, descoberto em 2023, também nunca foi observado em outros animais. Uma verdadeira bizarrice.
Fonte: abril